Procuro, em geral, não me repetir. Variar de assunto. Falar de coisas diferentes. Não me armar em especialista. Sobretudo em matérias nas quais o meu conhecimento não difere em sofisticação do cidadão comum, que são quase todas. E, em política, não afectar paixões excessivas, sejam ódios ou amores, como quem usa as palavras para excitar em si, entusiasmado, convicções à prova de bala. Mas a verdade é que, com estas precauções todas, às vezes – poucas, graças a Deus -, deixo-me apanhar por um assunto ou outro. Desta vez é Rui Rio.
Confesso que não o percebo, por mais que tente o velho truque de me pôr, num exercício de simpatia, no lugar do outro. “Não o percebo” quer aqui dizer: não percebo o lugar em que ele se coloca. Tento, mas, por mais que a imaginação se empenhe, sinto-me no vazio. Como se a sua identidade não fosse capturável através da descrição de um ponto de vista sobre a sociedade portuguesa, mas apenas por meio da afirmação pura e simples da sua identidade pessoal, invariavelmente apresentada como magnífica e excelsa. Fora disso, não consigo encontrar nada: uma visão, um projecto, uma identidade que não seja apenas uma afirmação do Eu, mas algo corporizado num sistema de ideias, boas ou más, que iluminem um bocadinho o mundo através do lugar onde está.
Esse lugar, ele define-o orgulhosamente como o “centro”. E no outro dia, na Madeira, lá voltou a expô-lo pela milésima vez. O PSD, disse ele, é “um partido de centro”. Não disse, notem, um partido “moderado”, que significaria, com propriedade, uma recusa de extremismos, de que se podem dar variados exemplos: disse “centro”. O que é o “centro”? Na ausência de qualquer caracterização política digna desse nome, só há uma definição possível: é ele. É ele o “centro”. Recusando, aparentemente, qualquer necessidade de oferecer um conteúdo político substantivo a esse lugar, define-o apenas e unicamente pela existência da sua própria pessoa, que englobaria a do PSD. Ficamos, assim, apenas a saber que o centro, de acordo com a sua identidade inabalável, é virtuoso.
Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.