A minha vida escolar mudou no dia em que ouvi um professor da faculdade dizer, em plena aula: “os designers são manipuladores”. Naquele momento, todos os sinónimos negativos da palavra “manipulador” cravaram-se como setas no meu entendimento sobre o que é um designer.

Para mim, a comunicação gráfica não é, de todo, “astuciosa ou pouco escrupulosa1, mas sim uma maneira de conectar o público com um produto (seja este físico, digital, ou abstrato), através de uma experiência gráfica emocional e estimulante.

O design tem um papel crucial na definição dos benefícios emocionais de um produto. Ao manipular o aspeto, usabilidade e intelectualização daquilo que desenham, os designers conseguem influenciar emocionalmente o utilizador; amplificar o que a pessoa sente com e até pelo objeto.

Don Norman, membro do grupo Nielsen Norman – uma consultora focada na experiência do utilizador – propõe três tipos de design que induzem emoções em diferentes níveis: design visceral, comportamental e reflexivo.2 Neste texto, pretendo dar exemplos de como se podem aplicar estes três níveis a produtos digitais.

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Design Visceral

Opera na parte mais profunda e primitiva do nosso cérebro: o cérebro reptiliano. Este é responsável pelas respostas imediatas necessárias para a sobrevivência e analisa os estímulos que obtemos através dos nossos sentidos para que possamos decidir como agir adequadamente.3 Como tal, o design visceral está relacionado com a aparência e as primeiras impressões.

Img. 1: A cor coral da marca Coverflex – empresa onde trabalho como Product Designer –, os componentes gráficos com cantos redondos e a colocação da informação numa grelha ordenada e simétrica são exemplos de design visceral. Devido ao lado primitivo do ser humano, as cores brilhantes e as formas arredondadas e simétricas atraem-nos subconscientemente. www.coverflex.com

Design Comportamental

Aprofunda no espetro emocional, proporcionando uma experiência clara ao utilizador. Tem como objetivo tornar a interação com o produto um prazer para quem o utiliza já que, quanto mais intensa seja essa sensação, maior será a qualidade da experiência.

Img. 2: My Mind é uma plataforma que permite aos seus utilizadores guardar tudo aquilo que lhes interessa sem necessidade de perder tempo a pensar numa organização lógica. Com a ajuda da Inteligência Artificial, basta que os utilizadores escrevam uma palavra para encontrar aquilo que procuram. Considero esta plataforma um exemplo de design comportamental, ao ser um produto que realmente facilita a vida dos seus utilizadores. www.mymind.com

Design reflexivo

Neste tipo de design dá-se relevância às perceções e interpretação que o utilizador faz do produto. Na verdade, o aspeto reflexivo de um produto está diretamente ligado a quem o utiliza, já que depende das histórias que este constrói em torno do mesmo e as memórias que evoca, sendo ambas poderosos mecanismos que ativam emoções duradouras.

Img. 3: O SpotifyWrapped é um exemplo de design colaborativo no sentido em que usa os hábitos de escuta de cada utilizador da plataforma. Funciona como uma “máquina do tempo” que desperta memórias no utilizador e estabelece um vínculo forte entre este e o produto. www.spotify.com>wrapped

São os designers manipuladores?

Apesar do meu repúdio inicial à afirmação do meu professor, ao longo da minha carreira fui percebendo o que estava a tentar dizer-me: ser designer não consiste só em escolher tipografias e cores, nem é uma mera questão de aptitudes formais e técnicas. Ser designer é uma atitude: significa cultivar um discurso crítico sobre o trabalho, aprender sobre o passado e o presente desta prática e desempenhar um papel importante na transformação da sociedade do futuro. Os designers podem, até certo ponto, decidir o tipo de emoções que guiam o seu público e, deste modo, cultivar sentimentos e ações positivas. O nosso foco deve estar concentrado em usar sabiamente técnicas de design emocional e assegurar que os nossos projetos estão em sintonia com um futuro sustentável.

Nunca foi tão importante promover o compromisso ético e moral na comunidade criativa para que, cada vez que se diga que “o designer é um manipulador”, não haja dúvidas que o faz ao serviço de um mundo mais altruísta, empático e compassivo.

Sara Caldas é uma Product Designer portuguesa, a viver em Barcelona. Na sua formação entrou em contacto com diversas áreas da comunicação visual, tais como o branding, design digital e design editorial. Sara iniciou a sua carreira como UI Designer numa consultora tecnológica multinacional, desenhando plataformas digitais para clientes nos setores da banca, seguros e administração pública. Evoluiu a sua carreira na área de produto em várias startups, sendo atualmente Product Designer na Coverflex. Publicou dois livros sobre teoria do design: “Design, Create, Thrill” (HoakiBooks, 2019) e “PalettePerfect” (HoakiBooks, 2021).

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.

1 Porto Editora – manipulador no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-01-14 16:21:14]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/manipulador
2 Norman, Donald A. (2004). Emotional Design: Why We Love (or Hate) Everyday Things. New York: Basic Books.
3 Barco, Beatriz (2014). El Cerebro Narrativo. Em “El Cerebro Narrativo” (pp. 1–18). Barcelona: Elisava.