Lembro-me de quando minha sobrinha me perguntou, com incredulidade: tia, ainda há guerras no mundo? Lembro-me também da minha própria perplexidade, no segundo ano da faculdade de direito, quando descobri a existência de um “direito de guerra”, uma vez que achava que a guerra era a falência do direito em si. Percebo que, com o início da guerra na Ucrânia, em meio a tanta angústia, sinto algum alívio por não ter perdido a capacidade de ficar perplexa.

Lancei no Brasil, no início de fevereiro, meu livro chamado Guia Prático Antimachismo. Num trecho dele, reflito sobre a relação que existe entre a chamada masculinidade tóxica e a política internacional. Virgínia Woolf se debruçou sobre o tema nos anos 30, quando publicou seu artigo “As mulheres devem chorar… Ou se unir contra a guerra”, no qual analisa a relação histórica que existe entre o militarismo e o patriarcado.

A questão é: será que num mundo hipotético no qual haja mais mulheres ocupando os cargos de presidente ou primeiro ministro, observaríamos um comportamento menos agressivo e, talvez, mais colaborativo no cenário internacional? Se nos afastarmos dos clichês, essa se torna uma pergunta difícil de ser respondida e nos exige uma análise mais profunda da questão.

Quase todas as lideranças que observamos hoje em dia, são baseadas na masculinidade – e frequentemente, não numa masculinidade saudável, mas na tal masculinidade tóxica, pautada em truculência e agressividade. Mulheres que ocupam cargos de liderança – sejam eles estatais ou não – tendem a repetir esse modelo masculino, seja porque ele é o único formato existente, seja por uma questão de sobrevivência profissional. Basta observarmos a gestão de Margaret Thatcher, tão marcada pela brutalidade, mas também representativa da inexistência de “plano b” para uma líder mulher, sobretudo naquela época.

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Frequentemente ouvimos homens dizer que as mulheres têm reações emocionais mais acentuadas, especialmente no ambiente de trabalho (até como forma de justificar a não inclusão feminina em certos setores da economia). Todavia, me pergunto se gritos e explosões de raiva não podem, igualmente, ser considerados reações emocionais. É evidente que sim – mas, diferente do choro, por exemplo, essas são emoções ligadas ao masculino e não ao feminino. Ou seja, o problema não está nas emoções, mas sim no gênero ao qual elas estão atreladas.

Não é possível afirmar categoricamente que se Putin fosse mulher, essa guerra não existiria. Mas é possível afirmar com certeza que se as lideranças internacionais não fossem tão marcadas pela masculinidade tóxica, não nos encontraríamos nesse cenário. Já há uma série de líderes que exercem o poder de uma outra maneira. Costa e Marcelo, em Portugal, são exemplos de lideranças não truculentas – independentemente de seus posicionamentos políticos distintos. Jacinda Adern, na Nova Zelândia, inaugura um outro modelo de liderança feminina, não dissociada da sua condição de mulher. Por outro lado, igualmente em espectros políticos diferentes Bolsonaro, Putin, Xi Jinping, bem como Trump em seus tempos de governo, e tantos outros seguem reproduzindo lideranças marcadas pela toxicidade. E o resultado disso é a desgraça que estamos presenciando.

Não é preciso romper com os homens para acabar com a guerras. Bem como a solução não está em eleger mulheres que perpetuam essa forma de liderar – basta pensar em figuras como Marine Le Pen. O que é preciso é romper com a masculinidade tóxica, com modelos truculentos e agressivos que ainda acreditam que o respeito se constrói com gritos, tanques de guerra e mortes e não com o pensamento, o diálogo e a construção conjunta.