1 É isso, sra. Ministra, tem razão no que sugeriu, estamos a empurrá-la. A ver se troca a ideologia pela responsabilidade de modo a produzir os planos B e C que se pensava terem sido reflectidos e aprontados em Julho e Agosto mas parece que não. Plano seguros, e eficazes, confiáveis com os privados, os semiprivados, ou um bocadinho privados, com quem quisesse. Só queríamos ter a certeza de não haver um Pedrogão 3 e quando digo Pedrogão 3, digo mortes por uma incúria sem perdão, com ocorreu por duas vezes, há três anos. É que a olho nu não se vê ampliada a capacidade dos hospitais nem reforçados os meios humanos como as circunstâncias dramaticamente reclamam e nada era mais previsível do que a entrada em cena dessas mesmas circunstancias, vieram apenas aterradoramente um pouco mais cedo. Na última primavera os serviços de saúde aguentaram porque nos encafuaram em casa, mas como desta vez havia o aviso de que não encafuariam — uma quase jura solene, aliás — espanta este comportamento que não sei definir nem adjectivar. Um, como dizer?, desapego das “autoridades” face à previsão do previsível, que o mesmo é dizer face à realidade. Espantará ainda mais que se atrapalhem desta forma, em tudo parecendo que agem em cima da hora, como se cavalgassem uma calamidade-surpresa. A falta de confiança que este estado de coisas pode gerar não tem medida. Presumo que tal como ocorre com o resto dos portugueses normalmente constituídos, a minha desconfiança das “autoridades” seja inversamente proporcional à confiante admiração (que heróis santo Deus!) que sinto pelos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde, do primeiro ao ultimo escalão. Gente duplamente heróica que não só está há longos meses confinada a uma única linha — a da frente — como depende de incapazes com as suas instruções descoordenadas, atrasadas, confusas. Até aqui tiveram, que se saiba, a Champions de presente, oxalá tenham gostado da prenda. Em Espanha, há dias, o Rei depositou nas mãos de representantes da saúde o Prémio Princesa das Astúrias deste ano, o que é ligeiramente diferente da bola. Sucede porém que o facto de ouvir publicamente (ou privadamente) esses nossos médicos, enfermeiros, auxiliares, confere-me legitimidade para me indignar ampliando-se tal indignação com o medo sobressaltado que sinto no Governo. E há ainda um outro pasmo face ao que apetece chamar uma espécie (daninha) de irresponsabilidade incólume: não acontece nada, ninguém responsabiliza os senhores governantes? Só pelo voto podem ser sancionados? E até lá?

É que alguém terá de perceber que os portugueses vivem actualmente entre o desamparo de não saberem como pensar e o desconcerto de não saberem como agir. Literalmente.

2 Um substantivo que se dissolveu na política foi a “estabilidade”. Está desaparecida em (mau) combate político entre as esquerdas onde nos fora vendido que estaria. Amparando o edifício governamental de ventos mais bravos ou até de qualquer inesperado ciclone: não era esta uma segunda edição exitosa da geringonça? Era, mesmo que não nos mesmos exactos termos mas a estabilidade, essa, lá estaria sempre. Afinal não está em lado nenhum. E no entanto… a curtíssimo prazo ela será o bem mais indispensável para a aprovação do OE, até aqui uma negociação quase patética, dançada através de sucessivas polcas que deslizam por entre moradas partidárias disponíveis. Em cada polca, há novas cedências do PS e haverá coisas que correm o risco de ficar f irreconhecíveis no funcionamento do tecido económico do país, de tão mudadas que irão ser. O Governo no auge da sua fragilidade e no cume do seu cansaço, exibe — ou impõe — uma força que não tem. Mais desencorajador é impossível. Há uns anos Cavaco Silva então em Belém exigiu um acordo escrito ao Primeiro Ministro António Costa e assim ocorreu. Cavaco fez bem. Por qualquer razão que sempre me escapou não sucedeu o mesmo com o locatário seguinte. O locatário fez mal.

O chão que pisamos a todos os níveis – sanitário, político, económico, social – está cada vez menos firme. Pisar areias só movediças cansa, cansa muito (mas talvez o Presidente da República se lembre de aumentar a sua magistratura de influência, fazendo ouvir a sua voz — tem-na em maior quantidade do que julga.)

3 E pensar que é neste ambiente turvo, aflito, sofredor, com mortos e doentes a eito, uma crise económica dura, um governo titubeante e um futuro incertíssimo que se vai discutir a eutanásia. Como se fosse urgente, prioritário, indispensável. Esgrimir o poder acabar com a vida hoje e aqui, tem qualquer coisa de insultuoso, não me ocorre melhor palavra. Para não falar que só um país que se perdeu a si próprio se disporia a isso. (perder-se quer dizer perder o norte, o chão, a responsabilidade, o respeito, a vergonha).

4 Partiu um Amigo. Especialíssimo, o que foi um dom. Só por vezes vivia entre nós porque voava. Comandava aviões — era dos briosos tempos da TAP que ele servia com devoção e tanto nos orgulhava — mas quando não voava, voava de outra maneira. Como fazem os poetas, andava entre as estrelas e a lua, entre o céu e a terra e só às vezes pousava no nosso pobre mundo. Deambulava pela vida fora de horas, vagueava pela ciência, dançava com os livros, sonhava com as palavras. Era um ser doce e muito amado. Tinha um olhar azul aquoso, chamava-se Eduardo e era um poeta.

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