A tardia demissão da ministra da Saúde Marta Temido é, infelizmente, apenas mais um episódio na novela da degradação do SNS que acontece aos olhos de todos os portugueses. Este é por isso um bom momento para reunir e recordar alguns dos episódios mais marcantes dos últimos tempos, os quais permitem formar uma imagem mais representativa da realidade do que qualquer narrativa governamental:

SNS é dos melhores sistemas do mundo, diz ministro da Economia (18 de Dezembro de 2019):“O ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, desfez-se em elogios ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), esta quarta-feira, na cerimónia de assinatura de um protocolo para promover a oferta de turismo médico em Portugal. “Temos que ter orgulho e satisfação em termos sido capazes de oferecer aos nossos concidadãos um sistema de saúde que é dos melhores do mundo”, sublinhou o governante.”

Portugal entre países da OCDE onde consultas presenciais e urgências mais caíram na pandemia  (9 de Novembro de 2021): “Quanto às necessidades médicas não satisfeitas, Hungria e Portugal registam os números mais altos, com mais de um terço da população a reportar ter desistido de um exame médico ou tratamento necessário durante os primeiros doze meses da pandemia, de acordo com os dados disponíveis no relatório da OCDE.”

Tribunal de Contas assinala degradação do acesso a cirurgia oncológica entre 2017 e 2020 (9 de Junho de 2022): “O acesso à cirurgia oncológica degradou-se entre 2017 e 2020, com cada vez mais intervenções a ultrapassarem os tempos máximos de resposta garantidos, concluiu o Tribunal de Contas (TdC) numa auditoria nesta quarta-feira divulgada. (…) “Também os rastreios oncológicos foram fortemente afetados pela pandemia em 2020”, lê-se no documento, em que se recorda a suspensão dos rastreios especialmente em março, abril e maio.”

Utentes sem médico de família aumentam para 1,1 milhões no final de 2021, segundo relatório das Finanças Públicas (8 e Junho e 2022): “Mais de 1,1 milhões de portugueses não tinham médico de família no final de 2021, um aumento de cerca de 300 mil pessoas em relação ao ano anterior, alertou Conselho das Finanças Públicas (CFP), esta quarta-feira. O número de pessoas sem médico de família atribuído representa 10,9% do total de inscritos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e “corresponde a um aumento de mais de 303 mil utentes” face a 2020, “agudizando a trajetória de afastamento do objetivo de cobertura plena da população” por estes clínicos, refere o relatório do CFP sobre a evolução do desempenho do SNS em 2021.”

Urgências de obstetrícia: hospitais de Lisboa, Braga, Almada, Santarém, Abrantes e Aveiro com constrangimentos esta semana (1 de Agosto de 2022): “O Ministério da Saúde reiterou, esta segunda-feira, que o sistema funciona em rede e que desta forma é possível garantir a “segurança e tranquilidade” das grávidas.”

Escalas de Obstetrícia e Ginecologia para agosto “não estão todas preenchidas” (1 de Agosto de 2022): “Secretário de Estado Adjunto e da Saúde admite o encerramento de alguns serviços durante o verão e adianta que regime de trabalho suplementar aprovado permitirá pagar a médicos até 90 euros por hora.”

Crise nas urgências de obstetrícia: grávidas deixam de conseguir planear onde vai acontecer o parto (6 de Agosto de 2022): “O Governo assegura que ninguém ficará sem resposta, contudo as grávidas são obrigadas a deslocarem-se para hospitais onde não têm laços.”

Portugal volta a registar em junho maior taxa de excesso de mortalidade da UE (17 de Agosto de 2022): “A taxa de excesso de mortalidade registada em Portugal em junho é, de forma destacada, a mais elevada entre os 27 Estados-membros, à frente de Espanha e Estónia.”

Ministra da Saúde atribui constrangimentos atuais a escolha feita “nos anos 80” (25 de Agosto de 2022): “A ministra da Saúde considerou esta quinta-feira que os problemas que têm afetado recentemente o Serviço Nacional de Saúde (SNS) são consequência de decisões tomadas “há várias décadas”, apontando aos anos 80 do século passado.”

“SNS tem problemas? A vida tem problemas”, diz ministra da Saúde, Marta Temido (22 de Julho de 2022): “De visita à construção de hospital em Obras, Marta Temido reconheceu que o SNS está a viver com “contingências”. “Não podemos é perder a fé em que vamos melhorar as coisas”, diz.”

António Costa mantém confiança na ministra da Saúde e nas medidas anunciadas (17 de Junho de 2022): “O primeiro-ministro afirmou, esta sexta-feira, que mantém a confiança na ministra na Saúde e nas medidas anunciadas, considerou que “parte dos problemas” estará resolvida a partir de segunda-feira, mas admitiu que existem outros estruturais.”

Infelizmente para os portugueses, os problemas do SNS vão muito para além da Ministra. Conforme escrevi recentemente aqui no Observador:  “Ninguém fez tanto como a geringonça para degradar o SNS e estimular o crescimento do sector privado na saúde em Portugal. Apesar de contar com a dedicação de muitos excelentes profissionais, o SNS sofre desde a sua concepção de problemas estruturais próprios de um sistema estatizado, ultra-burocrático, centralizado e sem mecanismos internos de concorrência. Mas foi a governação socialista no período da geringonça que lançou o SNS no caos e lamentável estado de degradação em que se encontra agora.”

A manutenção de Marta Temido em funções até ao limite foi útil para o PS por funcionar como uma protecção política para António Costa face ao notório colapso do SNS. A saída de Temido peca por tardia mas não resolve, por si só, nenhum dos graves problemas que resultam das políticas erradas seguidas pela governação socialista ao longo dos últimos anos. Só a inversão dessas políticas permitirá começar a recuperar o sistema e oferecer melhores cuidados de saúde aos portugueses.

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