Ninguém fez tanto como a geringonça para degradar o SNS e estimular o crescimento do sector privado na saúde em Portugal. Apesar de contar com a dedicação de muitos excelentes profissionais, o SNS sofre desde a sua concepção de problemas estruturais próprios de um sistema estatizado, ultra-burocrático, centralizado e sem mecanismos internos de concorrência. Mas foi a governação socialista no período da geringonça que lançou o SNS no caos e lamentável estado de degradação em que se encontra agora. Por extremismo e obsessão ideológica, as PPP na saúde foram liquidadas uma por uma – incluindo casos como o do Hospital de Braga que, com o fim da PPP, passou de ter excelentes indicadores para uma situação de notória desorganização e degradação dos serviços. E tudo isto enquanto se gastam mais recursos: não é caso único, mas vale a pena salientar também que apenas três anos depois do fim da PPP, o Hospital de Braga se encontra em situação de falência técnica.

As responsabilidades políticas da geringonça no descalabro do SNS não se esgotam no entanto na cegueira ideológica que ditou o fim das PPP em detrimento da qualidade dos cuidados de saúde prestados aos portugueses. Também a reversão da aplicação em condições de igualdade com o sector privado das 40 horas de trabalho semanal agravou os problemas de funcionamento do SNS e ditou a subida de custos do sistema.

Essa foi aliás uma entre várias medidas populistas que o governo socialista, sustentado no Parlamento por bloquistas e comunistas, tomou, revertendo medidas de racionalização e promoção de eficiência no uso de recursos no SNS que, ainda que de forma tímida e incompleta, tinham sido iniciadas no governo liderado por Pedro Passos Coelho. O caminho de racionalização e reorganização do SNS, que deu nesses anos os primeiros passos em condições muito difíceis, foi rapidamente abandonado por razões ideológicas e para a satisfação de vários grupos de interesses ligados ao sector.

Esgotada a desculpa pandémica (e agravados muitos dos problemas no acesso à saúde pelos erros cometidos também nesse período), é hoje infelizmente claro o estado de colapso a que a combinação de obsessão ideológica com captura por grupos de interesses conduziu o SNS. Apesar de o sistema consumir cada vez mais recursos, os indicadores são cada vez piores: o caos e encerramentos nas urgências são recorrentes, muitos serviços de obstetrícia são incapazes de assegurar o seu próprio funcionamento regular, o número de portugueses sem médico de família aumentou, as listas de espera agravam-se, a inadequação do acompanhamento de doentes oncológicos é preocupante (tal como recentemente documentado pelo Tribunal de Contas), a mortalidade materna dispara para os valores mais altos desde há quase quatro décadas e até a mortalidade global aumenta significativamente sem explicação evidente para o efeito.

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Em resumo, apesar de consumir cada vez mais recursos, temos um SNS cada vez pior gerido e mais degradado. Daí que não surpreenda que cada vez mais portugueses (entre os que têm essa possibilidade), recorram a seguros de saúde privados, ao mesmo tempo que os impostos que pagam não lhes garantem o desejado e atempado acesso a cuidados de saúde. A este respeito, é muito oportuno e acertado o diagnóstico realizado por Rui Rocha:

Aqui chegados, e como sucede em qualquer doença, é fundamental não ficar pela identificação dos sintomas. Importa conhecer as causas para, depois, aplicar as terapêuticas. Ora, o mal que atormenta o SNS é aquilo a que poderíamos chamar de socialismo selvagem. Foi o socialismo selvagem que impôs o dogma de que os serviços de saúde públicos têm obrigatoriamente de ser prestados por entidades públicas. Foi o socialismo selvagem protagonizado por PCP, Bloco de Esquerda e PS que levou à extinção das PPP da saúde, soluções que funcionavam em termos de qualidade e eficiência, como foi reconhecido pelo Tribunal de Contas. É o socialismo selvagem que afasta qualquer lógica de concorrência entre diferentes unidades de saúde. É o socialismo selvagem que impede que os princípios de gestão e os indicadores de desempenho das unidades de saúde sejam definidos e monitorizados com rigor (como acontecia, aliás, nas PPP). Foi o socialismo selvagem que impôs a natureza absolutamente excecional do recurso a PPP na nova Lei de Bases da Saúde.

Perante esta situação não basta pedir a demissão da Ministra da Saúde Marta Temido. Como bem salienta Joaquim Miranda Sarmento, importa não esquecer que é o primeiro-ministro, enquanto líder do governo, o responsável pelo cada vez mais notório caos dos serviços públicos e em particular pela situação desastrosa do SNS. A manutenção de Marta Temido em funções no actual contexto é aliás útil para António Costa e para o PS por funcionar como uma espécie de escudo humano político que absorve as críticas pelo estado do SNS. Mais cedo ou mais tarde, é provável que Temido seja sacrificada. Quando esgotar a sua utilidade política ou quando a própria (compreensivelmente) decidir sair devido ao desgaste acumulado. Mas os problemas no SNS infelizmente permanecerão com graves consequências para a saúde dos portugueses. E o primeiro passo para os tratar é reconhecer que esses graves problemas resultam das políticas erradas seguidas pela geringonça e são por isso, em última instância, responsabilidade da governação socialista.