Mario Draghi usou a “bazuca” e o Syriza obteve uma vitória histórica na Grécia. Em apenas quatro dias, tudo se alterou na Europa? Há quem queira acreditar que sim. Mas, mais revelador, é assistir a que cada vez mais gente no PS defenda a necessidade de mudar o rumo da política nacional, por via de substituir as medidas de contenção da despesa do Estado por uma aposta forte no investimento público. Soa familiar? Sim, porque o é: foi este o debate que marcou as legislativas de 2009 e é esse o legado económico de José Sócrates, que culminou no pedido de resgate financeiro. Após tantos lamentos sobre o PS gerir silêncios e não apresentar propostas, eis aqui todo um programa: retomar esse legado.

Face a isto, podemos acreditar no que por aí se diz sobre os silêncios de António Costa – que é tudo uma questão de calendário, que as propostas alternativas existem e que, em devido tempo, serão apresentadas. Ou então podemos aceitar que, agora ou mais tarde, o PS se definirá pela indefinição, para não assumir o óbvio: que está apoiado no legado político e económico de Sócrates, que viu no investimento público a única solução eficaz no combate à crise.

Ora, se é claro que Costa está associado a esse legado – foi ministro de Sócrates e fez da relação com o seu legado um motivo de campanha interna no PS contra Seguro – ficou também evidente nas últimas semanas (e ainda mais nos últimos dias) que esta é a ideia mais forte que os socialistas têm para oferecer. E que, sem ela, o PS tem-se revelado incapaz de formar uma alternativa.

Aliás, essa incapacidade abunda de exemplos. Veja-se que, no plano europeu, o PS se reduziu à apropriação de vitórias que não são suas. Fê-lo na vitória do Syriza e fê-lo perante o anúncio do BCE de compra de activos (incluindo dívida pública), associando-se à medida. E veja-se que, no plano nacional, o PS se limita a um certo calculismo pré-eleitoral, criticando o governo no que é impopular, mas sendo inconsequente nas soluções alternativas. Exemplo disso é o actual debate sobre a descentralização de competências para os municípios, nomeadamente na área da educação. Enquanto ministro de Sócrates, Costa defendeu a descentralização; enquanto presidente da câmara de Lisboa, Costa defendeu a descentralização; agora, em ano eleitoral e enquanto candidato a primeiro-ministro, Costa opõe-se à descentralização, mas traz de volta o tema da regionalização.

Assim, esgotada a capacidade de se distanciar com clareza do governo nas políticas nacionais e sem influência na construção de uma alternativa no plano europeu, sobra ao PS uma ideia abstracta de ‘mudança’ que, na verdade, não é mais do que a sugestão de que é possível regressar ao Portugal de 2009 e retomar o rumo interrompido pela crise – o do investimento público, o do crédito fácil, o da expansão da dívida. É assim que o PS hoje interpreta o legado de Sócrates. E tal como a compra de dívida pelo BCE foi para Draghi uma medida draconiana, a promessa de investimento público, que define esse legado socialista, é o trunfo do PS para 2015.

Para alguns, salientar isto poderá não ser mais do que dizer o óbvio. Só que não é tão óbvio assim. Desde Novembro passado, Sócrates deixou de existir nos discursos, nos debates, nas propostas. Mas, ele está onde sempre esteve – o seu legado é o coração do actual pensamento económico do PS no combate à crise. E isto não é um pormenor nem pode ser um tabu imposto pela sua detenção. Sócrates é, na verdade, a “bazuca” de António Costa.

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