Desde que foi conhecida a decisão instrutória da Operação Marquês, em particular, a prescrição dos crimes de corrupção passiva, com base no entendimento de que o prazo prescricional deveria contar a partir do momento da promessa da vantagem e não do seu efectivo recebimento que, já se disse e escreveu toda a sorte de impropérios contra o Juiz Ivo Rosa.

Na verdade, o Juiz de Instrução em causa, alicerçou parte da sua argumentação num acórdão do Tribunal Constitucional de 6 de Fevereiro de 2019 (Ac. 90/2019).

Ao contrário do que se tem dito e escrito, o acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional não é peregrino em termos da materialidade aí discutida (desde logo porque conforme bem discorre no seu voto vencido a Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros: “Em sentido divergente sustenta a maioria que, prescindindo o tipo incriminador da entrega da vantagem para a consumação do crime, é do momento da promessa da vantagem que a prescrição deve começar a correr, mesmo no caso de à promessa da vantagem se seguir a efetiva entrega. Trata-se de um entendimento amplamente suportado pela doutrina, como também se dá nota na fundamentação do acórdão. Tem, portanto, apoio doutrinário a interpretação dos preceitos em causa num sentido contrário ao adotado no tribunal recorrido”), mas sim por ter ido mais além do que era o entendimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional no que diz respeito à possibilidade ou impossibilidade deste tribunal poder sindicar interpretações erróneas feitas pelo tribunal recorrido (“Na verdade, ao sustentar uma tal conclusão, a decisão confunde o plano do controlo de constitucionalidade com o da errónea aplicação do direito infraconstitucional, infletindo entendimento de há muito pacífico na jurisprudência do Tribunal, segundo o qual «o que sempre se terá por excluído é que o Tribunal Constitucional possa sindicar eventuais interpretações tidas por erróneas, efetuadas pelos tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da legalidade” in voto vencido da Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros). Ou seja, entenderam os Conselheiros em maioria que a “materialidade deveria prevalecer sobre a forma”.

No entanto, e uma vez que o Juiz de Instrução da Operação Marquês não se fundamentou no poder de sindicância do Tribunal Constitucional, mas sim nos seus argumentos substanciais, que de resto, como vimos supra, tem, se não acolhimento, pelo menos, a assunção da existência de um largo entendimento doutrinal no mesmo sentido por parte da Conselheira que nele votou vencida, fica de difícil percepção o porquê de tanto alarido com o tema.

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Acresce que, no processo 2210/12.9TASTB da Instância Central Criminal de Almada, o Procurador do Ministério Público elaborou um despacho de acusação em que acusa um arguido pelo crime de corrupção passiva sustentando a consumação do crime na promessa da vantagem e não no recebimento da mesma, desde logo porque esta nunca ocorreu. A verdade é que o arguido em causa acabou mesmo por ser condenado em 1.ª instância, vendo depois tal decisão condenatória ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Bem sabemos que neste caso, tal entendimento era prejudicial ao arguido (contrariamente ao que acontece na Operação Marquês).

A cereja em cima do bolo: a decisão instrutória de pronúncia deste processo 2210/12.9TASTB foi proferida pelo Juiz Carlos Alexandre que, foi do mesmo entendimento que o Ministério Público na acusação e do que o seu Colega do TCIC na decisão instrutória da Operação Marquês, no sentido de que a consumação do crime de corrupção passiva se verifica no momento da promessa de vantagem independentemente do recebimento da mesma.

Ficamos pois a saber que, afinal, tal entendimento jurídico até é consensual aos vários intervenientes: Ministério Público, Juízes Ivo Rosa e Carlos Alexandre e Desembargadores da Relação de Lisboa, depende é da perspectiva, ou seja, “Sol na Eira e Chuva no Nabal”.