Quando perguntaram a Liz Truss pelo programa liberal que no espaço de uma semana parecia capaz de derrubar o seu governo, a libra e alguns fundos de pensões, a primeira-ministra britânica garantiu que eram sobretudo ideias do seu ministro das finanças e foi apressada pelo partido a abandonar os aspetos mais polémicos da proposta.

Com apenas um mês de governo, a cedência de Truss mostrou que lhe falta vocação para o radicalismo. As suas perspectivas de sucesso, que nunca foram brilhantes, parecem agora definitivamente condenadas a um doloroso arrastar do estado de coisas até que os seus deputados ou os eleitores decidam que se tornou insuportável.

Ainda assim, Truss tinha uma agenda. O seu apreço pela liberdade e a ideia de que o país precisava de crescimento para recuperar uma sensação de prosperidade são mais do que nostalgia thatcherista. Doze anos de governo e quatro primeiro-ministros conservadores presidiram a uma degradação do otimismo e das condições materiais das famílias, um problema que o resto da Europa conhece bem.

Por essas razão, a política do crescimento, mesmo que prejudicada pela representante que lhe coube e pela circunstância não irrelevante de não ter sido levada a eleições, merece pelo menos a mesma consideração que foi dada à política de convergência e redistribuição que trouxe a Boris Johnson uma ampla maioria parlamentar.

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Os mercados discordaram. A proposta de corte de impostos originou uma grande pressão sobre os juros da dívida e o valor da libra, notando que, num período de inflação e contração monetária, não é boa ideia combinar aumentos de despesa com cortes de impostos.

A reação dos mercados e do banco central é notável por si só, na medida em que as propostas sinalizavam um governo mais favorável à finança e ao investimento, mas também pela aparente incoerência das suas opiniões. Por toda a Europa, a crise de energia e dos preços acelerou a tendência de expansão do Estado e da despesa pública, com grandes programas de apoio público ao consumo e aos consumidores que encontraram grande tolerância dos mercados e apoio dos bancos centrais – sobretudo do BCE.

Na Alemanha, o governo prometeu 200 mil milhões de euros para apoios de emergência e reconstrução das capacidades energéticas do país ao mesmo tempo que a inflação atingiu o máximo em 70 anos e os juros da dívida aliviaram com essa perspetiva. A maior polémica da proposta foi até europeia, com comissários e governos a exigirem que um plano desse tipo tivesse escala continental e não apenas nacional. A própria Liz Truss, que iniciou o seu período no governo com um plano de 150 mil milhões de libras para limitar os aumentos nas faturas de energia da família, foi razoavelmente popular até ponderar cortes de impostos.

As críticas ao plano de Truss são inteiramente compreensíveis: o crescimento é difícil de conseguir num contexto de recessão global e não faz sentido sacrificar o orçamento para impor uma política fiscal que contraria os esforços da política monetária e acresce à pressão da inflação. É mais difícil justificar que, a prazo, essas objeções continuem a valer apenas para diminuições da receita e não para aumentos de despesa.

Truss, o elo mais fraco, percebeu numa semana como os mercados e os bancos centrais podem condenar um governo; ainda não é demasiado tarde para que o resto da Europa, mesmo sem cortar impostos, aprenda a lição britânica.