Há muitos anos que já devíamos …(acrescentar o tema à sua escolha). É esta a frase que em regra nos aparece de especialistas e, pior do que isso, de ex-governantes ou ex-responsáveis sobre as áreas sobre as quais se põem a dar opiniões quando algum acontecimento dramático nos assola. Está a ser assim com os incêndios. Foi assim com a fuga dos cinco prisioneiros de Vale de Judeus. E a lenga-lenga repete-se nas mais diversas áreas com graves problemas, da educação à saúde, da segurança à justiça, dos transportes às infra-estruturas, dos impostos à burocracia e à corrupção. E que todos nós, cidadãos e lideranças, somos incapazes de resolver. Porque não se consegue decidir, porque parece existir um prazer doentio de bloquear as decisões, porque a desorganização parece absoluta.

O caso de Vale de Judeus parece uma caricatura de mau gosto, quer pela forma como os presidiários fugiram quer pela reacção de alguns protagonistas, entre eles o responsável pelo sindicato dos guardas prisionais. E até pela atenção que mereceu o tempo que a ministra da Justiça levou a falar ao país, parecendo que se preferia que dissesse nada, mas que aparecesse.

Os incêndios podem até ser inevitáveis. A tragédia a que estamos a assistir, mais uma vez, parece mostrar que não há maneira de evitar esse drama de pessoas a morrer, casas a arder, recursos a desaparecerem. As alterações climáticas têm um importante papel no que nos tem acontecido. Mas por aquilo a que vamos assistindo, quando acaba a preocupação gerada pela tragédia, é o regresso do facilitismo, da desorganização e do desleixo. Vejam-se por exemplo, em algumas autarquias, como deixamos que os autarcas não cuidem dos espaços públicos, não cortem as ervas que as autoridades exigem que o cidadão comum faça. Ou olhe-se para a lentidão com que são concretizadas as medidas de organização da floresta, sempre dando mais peso à propriedade privada do que ao interesse público.

O mesmo se passa na habitação. Se em vez de se inventarem restrições, as autarquias e os governos aumentassem sem dó nem piedade os impostos sobre prédios devolutos, certamente que muitos proprietários, alguns embrulhados em desentendimentos por causa de heranças, colocariam as suas casas no mercado. Tudo isso podia ser feito ao mesmo tempo que não se contemporizava com quem não paga a renda, apoiando apenas e obviamente quem precisasse, através do Estado Social.

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A Educação como a Saúde ou até os transportes e infra-estruturas são exemplos da inércia que marcou a governação de António Costa durante quase dez anos.

É lamentável ver João Costa, que teve responsabilidades na Educação de Novembro de 2015 a abril de 2024, primeiro como secretário de Estado (2015-22) e depois como ministro – quase uma década -, a criticar o seu sucessor Fernando Alexandre que está há cinco meses no cargo. Ficava-lhe bem reconhecer que os problemas com os professores e a falta deles e até a degradação dos resultados escolares foram a herança que deixou. Percebe-se que não queira ficar na história como incompetente, mas podia ao menos contribuir para as soluções que não conseguiu concretizar no seu longo mandato.

Na Saúde é de ficar perplexo como o debate se centra mais em quem presta os cuidados de saúde do que na garantia de que, quem precisa, consegue ter acesso à Saúde. Parece não interessar se os novos centros de saúde – com os seus novos nomes burocráticos – vão alargar os cuidados. O que interessa é por quem são geridos. Sim, podem existir incentivos perversos. Mas se assim for analisem-se e corrijam-se esses incentivos para que ninguém fique de fora. O objetivo, parece que alguma classe política esquece, é garantir o acesso à saúde a todos a tempo e horas. E também aqui é lamentável ver que uma das piores ministras da Saúde, Marta Temido, foi premiada como eurodeputada.

Nos transportes públicos, em que se inclui a ferrovia, é igualmente extraordinário como ainda haja quem considere, com o argumento da prioridade dada às auto-estradas, que a culpa é de Aníbal Cavaco Silva que governou o país há quase 30 anos. O investimento sem retorno que já se fez na ferrovia merecia em si uma investigação. Já no caso do transporte público rodoviário, especialmente o da área fora de Lisboa, merecia dos autarcas maior atenção. Estamos a falar da Carris Metropolitana que presta um péssimo serviço, sem que as autarquias pareçam preocupar-se com isso. Parece que o importante é bater no peito a dizer que nos preocupamos com os mais desfavorecidos ou que devemos todos andar mais de transportes públicos para reduzir a nossa pegada de carbono. Criar condições para isso já parece interessar pouco.

Depois temos aqueles temas que nunca saem da agenda. Um deles é a TAP, empresa que tem de ser de facto muito resistente para ter aguentado o que já aguentou. Governos e oposições parecem apostados em dar cabo da empresa, entre privatizações e nacionalizações e boicote a soluções que lhe deem um futuro estável. Esta nova onda de inquirições no Parlamento, exactamente sobre os mesmos temas, mostra bem como a política que é politiquice pode ser destruidora.

O novo aeroporto então é o exemplo mais acabado da falta de capacidade de decisão. Esperemos que finalmente se consiga avançar, mas realmente ninguém pode ter a certeza. A qualquer momento alguém pode tirar um coelho da cartola, impedindo que se avance só porque sim, só porque não se concorda com a decisão.

E podíamos continuar, com os avanços e recuos nos impostos, com uma burocracia que estrangula a vida das pessoas e das empresas e com uma justiça que nos transmite continuamente a mensagem que, quem tem dinheiro para andar de recurso em recurso, nunca é julgado.

Depois do salto de desenvolvimento que demos após o 25 de Abril de 1974 e mais tarde com a adesão à então CEE parece que nos auto-condenámos a andar em círculos sem sair do mesmo sítio.  Claro que a responsabilidade não é apenas da classe política, é também nossa que vamos deixando que tudo isto aconteça. Um dia quem sabe haverá uma gota de água que fará transbordar o copo. Resta esperar que quando se perder a paciência, o caminho seja do desenvolvimento e não do retrocesso.