1 Nesta minha primeira crónica em 2023, devo cumprir a tradição de exprimir votos para o novo ano que recentemente começou. A tarefa está amplamente facilitada porque o tema já foi tratado pela melhor imprensa nacional e internacional.

Tenho muito gosto em subscrever a mensagem central de inúmeras vozes ocidentais: o principal desafio do novo ano de 2023 será a defesa do Ocidente e da democracia liberal.

2 A primeira e mais urgente dimensão da defesa do Ocidente e da democracia liberal reside certamente na aliança euro-atlântica em apoio da muito honrosa resistência da Ucrânia contra a infame invasão czarista-comunista do sr. Putin.

Como têm sublinhado vários analistas, a re-descoberta da crucial importância da aliança euro-atlântica ao longo do ano de 2022 — em resposta à invasão russa da Ucrânia — terá sido um dos raros aspectos positivos do ano que passou. E o reforço desse sentimento de aliança euro-atlântica constitui certamente um dos maiores desafios do ano que agora começa.

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Por feliz coincidência (ou talvez não), este será o tema central de uma conferência internacional — Atlantic Conference — que terá lugar na Madeira, no final deste mês de Janeiro (nos dias 27 e 28). Com o Alto Patrocínio do Presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, a Conferência do Atlântico é promovida pelo presidente do município de Câmara de Lobos, Pedro Coelho, e pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.

Evocando as duas visitas de Churchill à Madeira (em 1899 e em 1950), o título genérico do evento é “Winston Churchill, Madeira, and the Euro-Atlantic Alliance”, tendo como subtítulo “Celebrating the 650th Anniversary of the Anglo-Portuguese Alliance”. A iniciativa é promovida em associação com a Comissão Portugal-UK 650, a British Historical Society of Portugal, a Oxford Society of Portugal e a International Churchill Society.

A aliança euro-atlântica e a aliança luso-britânica estarão certamente no centro da iniciativa.

3 Para além da crucial defesa da aliança euro-atlântica, existe ainda uma outra dimensão da defesa da democracia liberal — que é sobretudo interna a cada uma das democracias liberais. Trata-se, simplesmente mas também crucialmente, de defender e reforçar a sua robustez nacional, contra os seus inimigos internos — vindos simultaneamente da direita radical e da esquerda radical.

Quanto aos inimigos oriundos da direita radical, é incontornável o excelente livro de Gideon Rachman (editor de política internacional do Financial Times), intitulado A Era do Homem Forte: Como o culto do líder ameaça as democracias em todo o mundo (Penguin/Vogais, 2022).

A leitura do livro de Rachman espontaneamente remete para revisitar o livro de Anne Applebaum (também felizmente traduzido entre nós): O Crepúsculo da Democracia: O fracasso da política e o apelo sedutor do autoritarismo (Bertrand, 2020).

Como diz Rachman, citando Applebaum, “uma versão idealizada da Rússia de Putin tornou-se uma inspiração para intelectuais de direita, agora profundamente críticos das suas próprias sociedades, que começaram a dar muita atenção a ditadores de direita que não gostam da América.”

Trata-se, de facto, como recorda e descreve enfaticamente Anne Applebaum, de uma direita radical que passou a hostilizar a direita democrática, liberal e anti-comunista  de que Applebaum se reclama. Foi esta direita democrática que teve papel decisivo na oposição e na queda das ditaduras comunistas — enfrentando agora, com surpresa e mal estar, um discurso autoritário, semelhante ao do velho comunismo, mas agora oriundo de antigos aliados anti-comunistas que se tornaram opositores à democracia. (Fica aqui um estimulante desafio intelectual para um inquérito sobre duas tradições á direita, liberal vs. revolucionária).

4Mas, além da direita radical, há outra ameaça interna às democracias liberais — quem vem da esquerda radical.

Um dos melhores olhares abrangentes sobre essa nova esquerda radical, também conhecida por Woke, é oferecido por Douglas Murray, (editor associado da revista The Spectator de Londres), em A Guerra ao Ocidente (Edições Saída de Emergência, 2022).

“Há um ataque em curso”, diz Murray, “contra tudo o que tenha a ver com o mundo ocidental — o seu passado, presente e futuro”. Este ataque ao mundo ocidental inevitavelmente inclui um ataque às nossa democracias liberais e ao princípio de liberdade de expressão que as sustenta.

5 A convergência entre direita radical e esquerda radical no comum ataque à democracia liberal é magistralmente captada por Michael Ignatieff no ensaio “The Politics of Enemies”, publicado pelo Journal of Democracy na edição de Outubro-Dezembro de 2022.

Ignatieff, autor da famosa biografia de Isaiah Berlin [um enfático anglófilo pluralista, refugiado da Letónia ocupada pelos bolchevistas soviéticos e acolhido no muito conservador (liberal) All Souls College, Oxford], identifica o cerne do actual radicalismo de esquerda e de direita: a herança revolucionária/contra-revolucionária da revolução francesa de 1789, que oscilou entre o jacobinismo radical e o reaccionarismo radical teorizado por de Maistre e Bonald.

Ambos tinham em comum a visão da política como guerra entre amigo e inimigo — e a total e primitiva ignorância acerca da democracia liberal como concorrência leal e pacifica entre esquerda democrática e direita democrática.

6 Nos antípodas da “Politics of Enemies”, esteve o Papa emérito Bento XVI, recentemente falecido. Diálogo entre Fé e Razão foi um dos tema centrais da sua profunda reflexão teológica e intelectual.

Na tradição de João Paulo II, Bento XVI sublinhou o fundamental contributo do Cristianismo, num diálogo plural entre Jerusalém, Roma e Atenas, para a civilização ocidental da liberdade ordeira sob a lei. No centro desse legado pluralista ancestral, estão hoje as nossas democracias liberais do Ocidente.

7Em suma, por outras palavras, a defesa da democracia liberal que desejamos para 2023 contém uma dimensão externa e uma dimensão interna.

No plano externo, como vimos, situa-se o reforço da aliança euro-atlântica; no plano interno, situa-se a recusa da “Politics of Enemies” e a re-descoberta da concorrência civilizada entre direita e esquerda democráticas, sob comuns regras gerais de boa conduta — basicamente não escritas e aprendidas em casa, mas algumas delas também inscritas na Constituição .

Por feliz coincidência, o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa vai promover em 2023 duas conferências internacionais dedicadas a estes temas.

A primeira, que já referi acima, decorrerá em Janeiro, na Madeira, sobre a Aliança Euro-Atlântica.

A segunda decorrerá em Junho e será a 31ª edição anual do Estoril Political Fórum, desta vez sob o título “Rebuilding Democratic Consensus — At Home and Abroad; & Celebrating the 650th Anniversary of the Anglo-Portuguese Alliance.”

8 Votos de Bom Ano de 2023 (e Parabéns ao Expresso pelo muito honroso 50º aniversário).