Se as temperaturas globais continuarem a aumentar, em particular na Europa, o risco da dengue – uma doença tropical – se estabelecer no continente também aumenta, sobretudo na zona do Mediterrâneo. A conclusão é da equipa liderada por Paul Hunter, investigador na Universidade de East Anglia, no Reino Unido, e foi publicada esta sexta-feira na revista BMC Public Health.

A doença é mais frequente em climas tropicais e subtropicais, mas pode chegar a outras latitudes com o aumento da temperatura. Para avaliar o risco nos 27 países membros da União Europeia, a equipa de investigadores criou um modelo baseado no país com a maior base de dados de casos de dengue e de dados climáticos – o México. “É a primeira vez que são desenvolvidos modelos de doenças humanas com base em dados de outra região”, diz ao Observador Paul Hunter.

O investigador reconhece que as diferenças entre as variáveis climáticas e os factores sócioeconómicos entre México e Europa pode enfraquecer as previsões: as estações não correspondem, a Europa não enfrenta um fenómeno atmosférico como o El Niño, no México a doença é endémica e desconhece-se a capacidade de resposta médica para esta doença no continente europeu. Porém, Paul Hunter afirma: “Nenhum modelo é totalmente fiável, mas quando múltiplos modelos fazem previsões semelhantes, então o grau de confiança cresce”. Até à data os modelos baseavam-se exclusivamente na presença dos vetores (mosquitos que transmitem a doença), os resultados deste modelo baseado em dados climáticos mostraram estar em concordância com os modelos criados anteriormente.

Previsão do número de casos de dengue por cada 100 mil habitantes em diferentes períodos na Europa dos 27

Previsão do número de casos de dengue por cada 100 mil habitantes em diferentes períodos na Europa dos 27 (a vermelho o risco maior) – Bouzid et al. BMC Public Health 2014, 14:781

O modelo baseado nas alterações climáticas mostra que as zonas mais afetadas serão as zonas costeiras do mar Mediterrânio e mar Adriático e o nordeste da Itália, em particular o vale do rio Po. A maior parte da Europa mantém um risco reduzido, mas nas grandes cidades, onde se combinam temperaturas mais altas e maior densidade populacional, o risco de transmissão de dengue também é maior. Embora o modelo se tivesse concentrado na dispersão de dengue, as mesmas áreas podem ser apontadas como zonas de risco para a doença chikungunya que usa os mesmos vetores.

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Por agora é preciso continuar a desenvolver esforços para prevenir as alterações climáticas, investigar vacinas e curas para a doença e criar planos para lidar com surtos de doença no futuro, aconselha Paul Hunter. Outra ideia é continuar a vigiar a presença dos mosquitos, à semelhança do que faz a equipa do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa com o projeto mosquitoWEB.

A Madeira tem o mosquito que transmite dengue

“A partir do momento em que o vetor se estabelece passa a haver risco”, explica ao Observador Jorge Atouguia, que não teve envolvido no estudo agora publicado. “Quando na ilha da Madeira se detetou a presença do mosquito que transmite a dengue sabia-se que podia haver um surto da doença a qualquer momento.” Passaram cerca de sete anos e antes do surto de dengue surgir em 2012.

Todos os anos são contabilizados 50 milhões de novos casos de dengue e registam-se 12 mil mortes. O vírus da dengue é transmitido pelo mosquito-da-febre-amarela (Aedes aegypti) – o principal responsável – e pelo mosquito-tigre (Aedes albopictus) – o mais frequente na Europa. Na Madeira estabeleceu-se o Aedes aegypti, uma espécie com menor capacidade de adaptação fora do habitat natural, mas que encontrou na ilha portuguesa um clima semelhante, explica Jorge Atouguia.

Na Europa o vetor de transmissão será o Aedes albopictus uma espécie muito mais adaptável. Em Portugal ainda não foi detetado, mas para Jorge Atouguia é “uma questão de tempo”. O mosquito já foi detetado no sul de Espanha, em França e na Itália. Em França foi responsável por um surto autóctone de dengue e em Itália por um surto de chikungunya. “Uma vez que que o mosquito esteja integrado no novo local nunca mais desaparece”, alerta o antigo professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.

Quando o número de mosquitos é muito grande, basta que apareça uma pessoa infetada com a doença, mesmo que a tenha trazido de outro local, para aumentar o risco de surto. “Mas a Europa, em comparação com a Ásia ou a América do Sul, onde acontecem grandes surtos de dengue, tem melhores condições para detetar, isolar e tratar a doença. A contenção da infeção é mais fácil”, refere o médico especialista em infecciologia e medicina tropical. “Na Madeira tem sido feito um trabalho extraordinário na prevenção. Têm conseguido manter a quantidade de mosquitos tão reduzida que não têm aparecido casos autóctones.” Os casos autóctones desenvolvem na região, por oposição aos casos importados que resultam de um viajante infetado.

Só as fêmeas dos mosquitos transmitem a doença porque apenas elas se alimentam de sangue e é no momento da picada que as pessoas são infetadas. Os ovos colocam-nos na proximidade ou dentro de água, mas como estão habituadas a viver perto de áreas urbanas ou periurbanas põem os ovos em qualquer recipiente com água. Uma dificuldade acrescida no controlo destes insetos é que os ovos podem manter-se latentes (adormecidos) por mais de um ano à espera das condições ideais para eclodir. Quando à doença a dificuldade em contê-la também está relacionada com o facto de as fêmeas poderem passar o vírus à descendência. Quando os mosquitos nascem estão prontos para transmitir a doença.