Cenário um. Quem tem um cão e tiver como religião levá-lo à rua quando o sol se põe sabe que, mais cedo do que tarde, o amigo de quatro patas vai perceber que ao cair da noite é hora de ir passear. O dono não fala em rua, não lhe indica nada, mas o cão sabe que o fim do dia como um sinal. Cenário dois. Para quem é português e vê uma raquete ou uma bola de ténis é provável que a primeira coisa a vir-lhe à cabeça seja o nome de João Sousa. A primeira hipótese chama-se reflexo condicionado e um senhor chamado Ivan Pavlov explicou-o um dia à humanidade. A segunda é uma associação de ideias causada por ser sempre o mesmo português a brilhar há anos seguidos no ténis mundial.

É culpa das boas, que não tem mal nenhum, porque João Sousa faz pela vida e vai desbravando caminho como se a raquete fosse uma catana que ajuda a cortar um mato grosso. O tenista de Guimarães está no 33.º lugar do ranking e para isso de muito lhe serviram o torneio ATP 250 que ganhou e as outras três finais a que chegou em 2015. Está farto de galgar degraus no ténis e até disse ao Observador, há uns tempos, que “as pessoas já se estão a habituar” a que ele chegue às decisões de torneios. Daí que nos últimos tempos seja fácil pensar que, em português, ténis diz-se João Sousa. É verdade que é ele quem mais tem feito por ele, mas é mentira que seja o único a ter sucesso nos últimos tempos.

Enquanto o vimaranense de 26 anos, que joga sempre de boné com a pala para trás, alcançava duas finais (São Petersburgo e Valência) em pouco mais de um mês, havia outro português a dar nas vistas. Ou melhor, a não perder: entre 26 de outubro e 7 de novembro, Gastão Elias ganhou a toda a gente que pegou numa raquete e se pôs do outro lado da rede do campo. Foram dez vitórias seguidas e dois torneios Challenger — o segundo de seis níveis de torneios do circuito ATP — conquistados de forma consecutiva, em Guayaquil, no Equador, e em Lima, no Peru. Não são torneios da categoria 250, nos quais João Sousa tem brilhado, mas não deixa de ser obra.

E a obra ganha valor por se saber que quem anda no ténis farta-se de viajar e, em torneios, leva todos os dias com jogos que raramente duram menos de hora e meia. “Sinceramente, não estava à espera que aguentasse os níveis físicos, principalmente depois das duas primeiras rondas que tive”, confessou, por isso mesmo, Gastão Elias ao site Ténis de Portugal, ao lembrar que precisou de três sets para se livrar dos adversários com que arrancou ambos os torneios: “O trabalho físico que tenho feito foi bastante importante e isso também permite que não existam tantos altos e baixos no meu jogo. Sei que tenho andado a trabalhar muito bem e estava à espera de resultados como estes”. 

A espera deu frutos. No último mês, o português de 24 anos que nasceu em Caldas da Rainha e (quando não está a viajar de um lado para o outro) vive em Bradenton, Florida, nos EUA, subiu 50 lugares no ranking. Hoje está na 135.ª posição e deverá mesmo entrar no top-130 na próxima atualização da classificação, que acontece a cada segunda-feira. A época ainda não terminou e, esta semana, Gastão Elias vai aproveitar a estadia na América do Sul para participar em mais um Challenger. Desta vez é em Buenos Aires, capital argentina, onde já defrontou Federico Delbonis (55.º) na primeira ronda. E sabe que mais? Ganhou, por isso já lá vão 11 vitórias seguidas.

Há mais ténis além de João Sousa. E o que está mais próximo chama-se Gastão Elias.

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