Desde 1997 que a NASA (agência espacial norte-americana), a ESA (agência espacial europeia) e a ASI (agência espacial italiana) investiram todos os trunfos numa missão que fosse explorar a fundo aquilo que só a Voyager tinha sido capaz de farejar em 1982: a atmosfera, as luas e os anéis de Saturno. Lançada a partir do histórico Cabo Canaveral, a missão Cassini tornou-se na “missão perfeita” das agências espaciais. Há 13 anos terrestres (apenas meio ano saturnino) que Cassini olha atentamente para o mundo que agora se tornou na última morada da maior — em dimensão e em ambição — nave espacial alguma vez concebida pelo Homem.

Nunca mais os livros científicos voltarão a ser os mesmos. Aquilo que a missão Cassini permitiu descobrir revolucionou completamente o que sabemos sobre Saturno, sobre os anéis que os circundam, o campo magnético do planeta e as luas — algumas delas muito parecidas à Terra — que o orbitam. Olhar para o mundo de Saturno foi também uma viagem ao passado: agora compreendemos melhor os primórdios do nosso planeta e temos mais pistas que nos expliquem definitivamente a formação do Sistema Solar.

Numa constante conversa com a Terra, Cassini deu-nos um verdadeiro mapa do campo de gravidade de Saturno, um vislumbre sobre como ele é debaixo das densas nuvens atmosféricas e uma medição das velocidades alucinantes a que o planeta gira em torno do próprio eixo. As últimas viagens entre os anéis da sonda também nos permitiu descobrir de que materiais são feitos e de onde vêm. E até tivemos oportunidade de observar auroras boreais gigantescas, tempestades colossais e oceanos de água salgada globais nas luas do gigante gasoso.

Agora a conversa acabou: Cassini calou-se para sempre e nós dissemo-lhes adeus. O seu legado, no entanto, vai continuar impresso nos livros de escolares, em estudos científicos e até em filmes de ficção científica.

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Conheça as maiores descobertas feitas pela sonda Cassini nos tópicos aqui em baixo.

Titã

Ao explorar intensamente a lua Titã, o maior satélite natural de Saturno e o segundo maior de todo o Sistema Solar, a sonda espacial Cassini encontrou dunas, montanhas de gelo e rios e oceanos de metano líquido. De todos os corpos celestes que compõem o Sistema Solar, a Titã é o mais semelhante à Terra porque tem uma atmosfera densa e reservatórios líquidos à superfície.

Tanto a Terra como Titã têm uma atmosfera composta principalmente por azoto: no caso na lua de Saturno, o nitrogénio representa 95% da composição dessa atmosfera, enquanto na Terra essa percentagem não passe dos 79%. No entanto, há uma grande diferença entre o planeta azul e Titã: é que a atmosfera da lua de Saturno tem muito pouco oxigénio. Por lá, o metano representa cerca de 5% da composição da atmosfera. Na Terra, só há 0,00015% de metano no ar.

A maior parte dos reservatórios líquidos de Titã foram encontrados no polo norte do satélite natural de Saturno. Há três grandes mares de metano rodeados por lagos mais pequenos entre eles. Essa realidade contrasta muito com aquela que a sonda Cassini encontrou no polo sul, onde só foi encontrado um pequeno lago de metano.

À esquerda, a atmosfera densa do planeta. À direita, a superfície por debaixo dela.

Encélado

A superfície de Encélado, o sexto maior satélite natural de Saturno, é constituída por uma gigantesca camada de gelo que engloba todo a lua. No entanto, debaixo dela, há um oceano global de água salgada que pode ser expelida para o exterior através de géiseres. Através desses jatos sai não só vapor de água, mas também outros voláteis e, por vezes, partículas sólidas a uma velocidade de 200 quilómetros por segundo.

Antes de a sonda Cassini ter chegado às luas de Saturno, os cientistas não conseguiam explorar porque é Encélado era o mundo mais brilhante do Sistema Solar ou em que medida tinha alguma relação com o anel E, um dos mais exteriores do planetas. Agora sabemos que as partículas geladas na superfície de Encélado e o gelo que compõe o anel E vêm de aberturas que deixam a descoberto um oceano subterrâneo global de água salgada. É possível que essas aberturas sejam nascentes hidrotermais. O facto de ter um oceano de água em estado líquido, uma composição química única e calor interno (tal como existe na Terra) garante a probabilidade de existir vida em Encélado.

Em contraluz, Encélado desvenda os géiseres com que deixa a água escapar por debaixo da superfície gelada. Créditos: NASA.

Jápeto

A superfície de Jápeto, a terceira maior lua de Saturno, tem duas cores. Essa colorização é adquirida a partir de um pó avermelhado que está suspenso no espaço e que Jápeto arrasta consigo enquanto orbita o planeta dos anéis.

A sonda Cassini encontrou uma crista topográfica na superfície de Jápeto. Essa crista coincide exatamente com o equador geográfico do planeta, mas nenhum cientista conseguiu explicar a sua origem. Há teorias, ainda assim: é possível que a crista topográfica seja uma cordilheira ou uma fenda a partir do qual material vindo do interior veio à superfície, acumulando-se e acabando por solidificar.

Fotografia real e com cores reais da lua Jápeto. A mancha avermelhada são detritos que a lua capta à medida que orbita Saturno. Créditos: NASA.

Anéis de Saturno

Os anéis que orbitam Saturno são constituídos por partículas de gelo e pó. Esse material não está apenas sujeito à força da gravidade do gigante gasoso, mas também sofre influências dos campos gravíticos das luas do planeta. É precisamente a influência dos satélites naturais de Saturno que cria ondulações e intervalos entre os anéis de Saturno.

Até à chegada de Cassini a Saturno, os cientistas nunca conseguiram calcular o tamanho, temperatura, composição e distribuição dos anéis que circundam o planeta. Graças às imagens captadas pela sonda, pudémos pela primeira vez observar a interação entre os anéis, registar a temperatura mais baixa alguma vez encontrada em Saturno e descobrir que o anel E do planeta, um dos mais exteriores, é alimentado pelo material gelado que sai do interior da lua Encédalo.

A sonda Cassini encontrou uma característica nos anéis de Saturno que nunca tinha sido observada: os raios. Eles são feitos de partículas geladas que podem ter maiores do que o planeta Terra e que são erguidas por uma carga eletrostática. Desaparecem ao fim de algumas horas.

Fotografia de Saturno em contraluz com os anéis muito bem visíveis. Créditos: NASA/JPL/Space Science Institute.

Atmosfera de Saturno

Graças à sonda Cassini, sabemos que o campo magnético de Saturno está quase perfeitamente alinhado aos polos do planeta gasoso. Graças à interação que mantém com a atmosfera de Saturno, os polos têm auroras boreais semelhantes às que ocorrem na Terra. Tal como acontece cá, partículas transportadas pelos ventos solares são atraídas pela magnetosfera de Saturno e levadas a interagir com os gases com carga elétrica nas zonas mais exteriores da atmosfera.

A atmosfera de Saturno é muito turbulenta e constantemente fustigada por tempestades com trovoada. A maior de todas está no polo norte do planeta: um vórtice com formato de hexágono gira violentamente em redor de um olho que pode chegar a ter 50 vezes o tamanho do olho de um furacão terrestre. No entanto, estes vórtices não funcionam como os furacões da Terra porque não têm origem em águas oceânicas quentes, mas sim nos gases que compõem a atmosfera.

Vórtice tempestuoso de grandes dimensões polo norte de Saturno. Créditos: NASA/JPL/University of Arizona