Ondas gravitacionais, raios gama e luz, muita luz, foi o resultado da colisão entre duas estrelas de neutrões. Esta foi a primeira vez que se detetaram ondas gravitacionais, deformações do espaço-tempo, causadas por estrelas de neutrões. As observações foram apresentadas esta segunda-feira e resultaram da colaboração de centenas de investigadores e cerca de 70 observatórios instalados em vários países e no espaço.

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Animação que pretende ilustrar a colisão entre estrelas de neutrões. Inclui as ondas gravitacionais (arcos mais claros), o jato de raios gama (vermelho), e restantes emissões eletromagnéticas: ultravioleta (violeta), luz visível e infravermelho (branco a vermelho) e raios X (azul) – NASA’s Goddard Space Flight Center/CI Lab

As ondas gravitacionais foram detetadas pela primeira vez a 14 de setembro de 2015 e o anúncio dessa descoberta feito a 11 de fevereiro de 2016. Foi esta descoberta e a sua confirmação em momentos posteriores — até agora outros três eventos — que valeram o prémio Nobel da Física 2017 aos três mentores do projeto.

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Albert Einstein, na sua Teoria da Relatividade Geral, publicada em 1915, tinha previsto que, quando um corpo com uma determinada massa acelerava, ou quando dois corpos celestes se aproximavam um do outro, havia deformação do tecido espaço-tempo e que isso levava à formação de ondas gravitacionais. Imagine uma bola de bowling (um corpo celeste) atirado para cima de uma cama elástica (o tecido espaço-tempo). E aqui tem a deformação.

Ondas gravitacionais: o que são e para que servem

O dia 17 de agosto ainda mal tinha começado nos Estados Unidos (13h41 em Lisboa) quando os detetores LIGO — Observatório de Interferometria Laser de Ondas Gravitacionais —, em Hanford (Washington) e Livingston (Louisiana), registaram um novo evento. Ao mesmo tempo, o Monitor de Explosões de Raios Gama, montado no telescópio espacial Fermi da NASA (agência espacial norte-americana), detetou uma explosão de raios gama. Era pouco provável que fosse uma mera coincidência, por isso os telescópios de todo o mundo foram recrutados para encontrar o evento que poderia ter causado estes resultados.

Como funcionam os detetores de ondas gravitacionais?

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Cada observatório consiste de dois longos túneis montados perpendicularmente, formando um L. No ponto de ligação entre os dois túneis é emitido, em simultâneo, um feixe de laser para cada túnel. No fim de cada túnel existe um espelho suspenso que reflete o raio laser. Se a viagem do raio laser até ao espelho e de volta ao vértice do L demorar o mesmo tempo em ambos os túneis é porque nada foi detectado.

Mas quando as ondas gravitacionais atingem a Terra, e porque elas provocam deformações no espaço-tempo, um dos túneis será momentaneamente “deformado” e a viagem do raio laser será diferente em ambos os túneis (ainda que a diferença seja muito pequena). A partir daqui começa a busca do que poderá ter causado esta diferença.

Dois detetores LIGO nos Estados Unidos e um detetor Virgo na Itália registaram as ondas gravitacionais e apontaram a área no espaço onde poderia ter acontecido o evento. A colaboração LIGO-Virgo já tinha detetado ondas gravitacionais antes – quatro vezes para ser mais preciso -, mas em todos estes momentos, as ondas gravitacionais tinham sido causadas por buracos negros com massas muito grandes. Agora os objetos pareciam muito mais pequenos.

Os objetos identificados como tendo sido a causa das ondas gravitacionais detetadas pareciam ter entre 1,1 e 1,6 vezes a massa do Sol, um tamanho que é compatível com o das estrelas de neutrões. Além disso, enquanto as ondas detetadas durante a colisão de buracos negros duravam uma fração de segundo, as ondas detetadas em agosto deste ano demoraram cerca de 100 segundos.

“As ondas gravitacionais dizem-nos que os objetos que se fundiram tinham massas consistentes com as estrelas de neutrões e o clarão de raios gama diz-nos que é pouco provável que sejam buracos negros, visto que da colisão de buracos negros não se espera que seja emitida luz”, disse Julie McEnery, investigadora no projeto Fermi da NASA, conforme comunicado de imprensa.

Os físicos teóricos já haviam previsto que da colisão de estrelas de neutrões deveria resultar a emissão de ondas gravitacionais e raios gama, acompanhadas de poderosos jatos luz em todo o espectro eletromagnético. E assim foi.

O que são estrelas de neutrões?

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As estrelas de neutrões são as estrelas mais pequenas que se conhecem, têm cerca de 20 quilómetros de diâmetro. São também as mais densas: uma colher de chá de material de uma estrela de neutrões pesa mil milhões de toneladas. Estes astros são formados quando estrelas com uma massa muito grande explodem em supernovas – uma das mais fortes explosões a acontecer no espaço.

Enquanto as estrelas de neutrões giravam em torno uma da outra cada vez mais rápido, numa espiral fatal, iam deformando o espaço-tempo à sua volta e emitiam ondas gravitacionais. Estas ondas foram detetadas na Terra durante 100 segundos. E tudo aqui tão perto. As estrelas estavam a uns escassos 130 milhões de anos-luz da Terra (cada ano-luz é cerca de 10 biliões de quilómetros), na galáxia NGC 4993, vizinha da nossa Via Láctea.

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Vídeo com uma trajetória possível da dança das estrelas de neutrões – LIGO-Virgo/Aaron Geller/Northwestern University

A dança fatal venceu os 300 quilómetros que separavam as estrelas e estas colidiram. Dois segundos depois, foram detetados raios gama na Terra com a mesma origem que as ondas gravitacionais. Estavam criadas as condições para apontar todos os telescópios e observatórios nessa direção. Nos dias e semanas que se seguiram outras formas de radiação eletromagnética foram observadas: raios X, radiação ultravioleta, luz visível, radiação infravermelha e ondas rádio. Pela primeira vez era possível observar uma kilonova, uma explosão mil vezes mais luminosa que uma supernova, resultado da colisão das duas estrelas.

Com as ondas gravitacionais e a luz a chegarem ao mesmo tempo à Terra, ficou confirmada mais uma parte da Teoria da Relatividade Geral de Einstein: as ondas gravitacionais viajam à velocidade da luz.

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Vídeo que ilustra a colisão de duas estrelas de neutrões. Do lado esquerdo a variação da massa e da densidade das estrelas, do lado direito a distorção espaço-tempo causada pela aproximação das estrelas – Christopher W. Evans/Georgia Tech

Esta colisão das duas estrelas de neutrões trouxe outras confirmações. O Observatório Gemini, dos Estados Unidos, o VLT – Very Large Telescope -, na Europa, e o telescópio espacial Hubble revelaram sinais de materiais sintetizados recentemente, como o ouro e a platina. Parece assim que as colisões de estrelas de neutrões são responsáveis pela produção de elementos mais pesados que o ferro. Mais um mistério de décadas resolvido com este evento.

“Ao longo dos próximos anos, estes eventos serão cada vez mais comuns. Olhando para o futuro, o que podemos aprender sobre o universo nesta nova era de observações coordenadas com base nas fontes de ondas gravitacionais é incrivelmente emocionante”, disse Eric Howell, investigador na Faculdade de Física e Astrofísica da Universidade Ocidental da Austrália.