Está bem, que o que interessa é a música, mas já que é para subir ao palco que seja em bom e com um visual à altura da ocasião. Em 53 anos de Festival da Canção, foram muitos os modelitos que desfilaram, cá e lá fora. Com mais uma edição à porta — e com a Eurovisão pela primeira vez em Portugal — fomos vasculhar os arquivos e olhar (de cima a baixo, embora os planos dos anos 60 sejam um bocado chatos) para as indumentárias de todos os vencedores do festival. Há de tudo — fatos janotas, vestidos pretos discretos, lantejoulas aos molhos, semitransparências e fatiotas de Carnaval — e sempre ao sabor das décadas. Comecemos pelos melhores e deixemos os menos brilhantes para o fim.

Os Melhores

Madalena Iglésias, 1966

Foi há mais de 50 anos, mas o vestido podia perfeitamente ser usado hoje e, ainda assim, fazer um brilharete. Madalena Iglésias ganhou a terceira edição do Festival da Canção com a canção “Ele e Ela”. O vestido era preto, fluido e pelo joelho. A ousadia estava no sítio certo, com os braços e o peito coberto por um tecido transparente. Uma escolha segura, numa altura em que as imagens eram, invariavelmente, a preto e branco. Por muita cor que se usasse, ninguém dava por isso.

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Eduardo Nascimento, 1967

A melhor palavra para descrever o look de Eduardo Nascimento na final do Festival da Canção é janota. Smoking impecável, laço no sítio e a camisa não desilude. Ainda por cima, era todo gingão. Ganhou com o tema “O Vento Mudou”, representou Portugal em Viena e igualmente garboso.

Simone de Oliveira, 1969

Há vestidos bonitos e depois há o vestido que Simone de Oliveira usou em 1969 quando foi representar Portugal a Madrid, na final da Eurovisão. Felizmente, a transmissão internacional do festival já era feita a cores o que deixou o país (e não só) de olhos arregalados com aquele verde esmeralda enquanto ouvia a “Desfolhada”. Os brincos deram o toque final, duas peças de filigrana portuguesa que deram força à letra de Ary dos Santos.

Manuela Bravo, 1979

Depois de uma década dominada por homens (foi nos anos 70 que Fernando Tordo, Paulo de Carvalho e Duarte Mendes ganharam o Festival da Canção), que por norma não arriscam muito na cor, Manuela Bravo vestiu-se de amarelo, qual canário, para representar Portugal em Jerusalém. De saia em camadas, cintura marcada por um cinto e mangas a três quartos, o vestido deu cor a “Sobe, sobe, balão sobe”, uma canção contente que pedia um vestido à altura.

José Cid, 1980

Foi precisamente com aquela do “Addio, adieu, aufwiedersehen, goodbye” que José Cid ganhou o Festival da Canção no romper dos anos 80. Num campeonato onde era difícil aos homens sobressair, o cantor, na altura com 38 anos, pisou o palco com o seu estilo meio estouvado. Cheio de energia ao piano e com aquela pinta de Elton John português, de repente levanta-se e exibe o seu smoking com lantejoulas na lapela, um laço de seda e já nessa altura uns óculos escuros.

Carlos Paião, 1981

Hoje, Carlos Paião seria classificado como hipster, mas no início dos anos 80 não estávamos nem aí para o que isso era. Por outro lado, não há como errar na década: o compositor de 23 anos subiu ao palco para interpretar “Play-Back” e quis o conceito da performance que as cores fossem bem vivas, os movimentos mecânicos e a imagem do intérprete e do seu coro quase plástica, como se de bonecos Playmobil se tratassem. Pois bem, Carlos foi de ténis, usou uma camisola com elementos gráficos, laço e um impermeável. O coro também brilhou. Tendo em conta as últimas tendências, usaríamos qualquer um daqueles fatos de treino sem receios.

Adelaide Ferreira, 1985

Vamos admitir: o vestido de Adelaide Ferreira na final da Eurovisão em Gotemburgo, na Suécia, é qualquer coisa. Branco, de ombros largos e cheio de franjas cintilantes. Olhando melhor, não se percebe muito bem se é um vestido ou uma saia e uma camisa. Seja como for, é um outfit vencedor, que grita anos 80, se bem que o cabelo de Adelaide na altura também ajudava. Fez parar o trânsito há 33 anos e hoje não seria diferente.

Anabela, 1993

Quando cai a noite na cidade… A questão é: quando isto toca pouco importa se a Anabela está a usar um saco do lixo ou vestida de princesa Elsa. A melodia é só incrível e quem a cantou soube fazer bem as coisas. A roupa que usou na final do Festival da Canção não encheu as medidas, mas a viagem até à Irlanda foi acompanhada por uma mudança de visual. O cabelo mais curto, a franja que entretanto aconteceu e o vestido branco, curto e rodado, de corte intemporal tiraram-lhe uns anos de cima.

https://www.youtube.com/watch?v=TLd35O5OIrw

Os Piores

Doce, 1982

Não sabemos se Lady Gaga já pôs os olhos nisto, mas devia. As Doce são as únicas vencedoras desta lista que mantiveram os figurinos quando foram representar Portugal lá fora e nós compreendemos. As fatiotas de mosqueteiras eram tão elaboradas que teria sido um desperdício não as mostrar à audiência europeia. Com “Bem Bom” ganharam o festival, mas no Reino Unido, a música e a dança sincronizada não as levaram além do 13º lugar.

https://www.youtube.com/watch?v=E85Y1W7EJIs

Dora, 1986 e 1988

Dora de Jesus ganhou o Festival da Canção duas vezes e em nenhuma delas acertou no figurino. Mas tentou e tentou muitas coisas diferentes: uma saia de tule (ao estilo Floribela, que na altura ainda não era nascida), um fato preto e um vestido laranja e rosa (que completou com luvas pretas) difícil de descrever. Primeiro com “Não sejas mau para mim”, depois com “Voltarei”, de facto, quem escolheu a roupa de Dora neste dois anos foi sempre mau para ela.

https://www.youtube.com/watch?v=2XqwlMdvifI

Da Vinci, 1989

Por momentos, vamos ignorar a mensagem colonialista da canção “Conquistador” e centrar-nos apenas no visual de lei-Or, a vocalista. É riquíssimo, cheio de anos 80 a acontecerem por todo o lado. Os ombros, o cinto, as luvas transparentes, os brincos, as mangas em balão, o chapéu, o blush, ufa… É que até as coristas estavam mais jeitosas. Na segunda volta, em Lausanne, a introdução de um corpete não resolveu grande coisa, pelo contrário. Enfim, fiquemos com a música e alguém que ligue o karaoke.

Dulce Pontes, 1991

O fado de Dulce Pontes em 1991 foi ganhar o Festival da Canção com a música “Lusitana Paixão”, mas o fado de Dulce Pontes em 1991 também foi vestir preto, vestir preto e usar luvas pretas até aos cotovelos. Nada contra, mas na final, em Portugal, tê-las conjugado com um vestido curto tipo combinação não foi uma opção lá muito feliz. Na Eurovisão, em Itália, vestiu uma criação de António Augustus. O jogo de transparências era engraçado, mas os bordados dispensáveis. As luvas, claro, estavam lá.

Lúcia Moniz, 1995

Os bordados do vestido de Lúcia Moniz são uma coisa que ainda nos está atravessada. É que isto de querer representar Portugal de forma tão literal quase nunca corre bem. Ainda por cima, levou um cavaquinho, ou seja, too much folclore. Lúcia Moniz ganhou o festival com a música “O meu coração não tem cor”.

Nonstop, 2006

Ficámos sem perceber muito bem o que é que as Nonstop pretendiam quando vestiram saias de lantejoulas, tops brancos e leggings verdes e calçaram botas brancas na noite em que se sagraram vencedoras do Festival da Canção. Talvez quisessem candidatar-se a miúdas da claque do Sporting. Enfim, nunca vamos saber. Já na final da Eurovisão, que eu 2006 foi em Atenas, conseguimos chegar lá. Provavelmente, a inspiração chegou de uma espécie da cabaret moderno — com franjas metálicas, caudas de tule e toucados com penas –, só que em poucochinho.

Suzy, 2014

Tambores de escala sobre-humana, percussionistas da tribo e um fato de patinagem artística. Parece um daqueles sonhos marados onde nada faz sentido, mas é a performance de Suzy na Eurovisão. De repente, tínhamos confundido o histórico concurso musical com um daqueles programas itinerantes de fim-de-semana. Foi tudo dar ao mesmo, só havia mais caché.

Salvador Sobral, 2017

Ainda bem que só estamos para aqui a divagar e que ninguém ganha ou perde o Festival da Canção e a Eurovisão por causa do que veste. É a música que importa, caso contrário Salvador Sobral dificilmente teria sido o primeiro a trazer o troféu para Portugal. Não é preciso entrar em pormenores (aquele blazer pingão!), até porque ainda está fresquinho na memória. Em parte, foi também o ar “desarrumado” de Salvador que o fez conquistar votos por essa Europa fora e todos sabem que em figurino vencedor não se mexe.