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Terminou já perto das dez da noite o primeiro dia de especialidade do Orçamento do Estado para o próximo ano. Depois do debate da manhã, no plenário, à tarde fez-se a votação de cada um dos artigos e alterações apresentadas pelas várias bancadas. O dia 1 terminou com os deputados a aprovarem o descongelamento de carreiras (e o processo negocial que ainda vai decorrer para as carreiras especiais), mas também houve uma votação curiosa do CDS e houve ainda uma primeira “coligação negativa” e outra quase negativa, onde só falhou o PCP. PSD e o CDS uniram-se para aprovar a proposta do Bloco de Esquerda que impõe um controlo mensal das cativações por parte do Parlamento.

O PS apenas teve o apoio do PCP na tentativa de rejeitar este escrutínio, passando assim o Governo a estar obrigado a prestar informações mensais (nalguns casos trimestrais) à Assembleia da República sobre a evolução das cativações. Além disso, o Executivo passa a ser obrigado a discriminar (em cada programa orçamental, por classificação orgânica e funcional) as verbas sujeitas a cativação nas propostas orçamentais. Mas houve outra parte das cativações onde a “geringonça” funcionou e onde o Governo cedeu colocando um travão ao valor que pode cativar no próximo ano. Aqui ficam os principais pontos deste primeiro longo dia (ainda faltam três: dois de especialidade e o último, segunda-feira, para a votação final do Orçamento).

A primeira “coligação negativa” do OE

Na primeira tarde de votações foi aprovada a primeira “coligação negativa”: todos contra o partido do Governo. O PSD, o CDS e o Bloco de Esquerda juntaram-se ao PCP para aprovar uma transferência até 800 mil euros para construir uma residência para estudantes universitários em Rio Maior. A proposta dos comunistas aprovada previa a “transferência de verbas no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para o Instituto Politécnico de Santarém, até ao montante de 800.000 euros, destinadas à requalificação do projeto e ao lançamento da obra de construção da residência para estudantes da Escola Superior de Desporto de Rio Maior”.

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O deputado do PSD, Duarte Marques, já se congratulou no Twitter por esta vitória, tendo mesmo tirado uma fotografia com o deputado do PCP António Filipe.

Quanto às cativações, não é surpresa esta intenção do Bloco de Esquerda, tal como o Observador tem noticiado. Desde julho que os partidos, principalmente o Bloco de Esquerda, têm exigido mais transparência ao Governo nas cativações e exigem limites. Os valores historicamente altos das cativações em 2016 – tanto o cativado inicialmente como o valor final – que foram conhecidos em julho abriram a discussão: está o Governo a executar o Orçamento prometido? Está Mário Centeno a contornar o Parlamento nas decisões orçamentais? O Bloco não deixou cair a questão e tem conseguido pequenas vitórias, mas Mário Centeno não quer abrir mão daquele que é o seu mais poderoso instrumento de gestão orçamental e que lhe dá uma grande margem de discricionariedade.

Progressões, IRS e cativações: o que os partidos querem mudar no Orçamento

Para já, Mário Centeno aceitou cativar um pouco menos na aquisição de bens e serviços — só quando as despesas ultrapassarem um crescimento de 2% face ao ano de referência, antes o congelamento era aplicado a partir do momento em que se verificasse um aumento –, e permitiu isentar de cativações alguns serviços da administração indireta da saúde (casos do INEM e da Direção-Geral de Saúde, mas não só).

Centeno também já se tinha comprometido a apresentar dados a cada três meses sobre a evolução das cativações. Agora, é obrigado pelo Parlamento a fazê-lo mensalmente. Mas PCP e Bloco de Esquerda não estão satisfeitos e têm vindo a pedir mais programas orçamentais isentos de cativações (PCP) e um reporte mensal da evolução das cativações, além de um limite global ao montante que pode ser cativado dos orçamentos.

Deputado do PS aponta inconstitucionalidade no reporte mensal

Na bancada do PS, o deputado Paulo Trigo Pereira (independente) apresentou uma declaração de voto sobre a proposta do Bloco de Esquerda por considerar que se trata de “uma proposta inconstitucional”. E o deputado explica a sua posição, escrevendo no texto que entregou logo depois de votada a proposta que o Orçamento é que se submete ao que consta na Lei de Enquadramento Orçamental e não o contrário. Ora, a proposta de alteração ao Orçamento do BE vai no sentido de mexer na lei de Enquadramento Orçamental. A interpretação do deputado é que o Orçamento não pode, por isso, alterar a Lei de Enquadramento Orçamental.

Além disso, Paulo Trigo Pereira apresentou outra declaração de voto sobre cativações, aqui demarcando-se do PS. Numa proposta de alteração do CDS que defende que não existam cativações para as entidades administrativas independentes, o deputado da bancada socialista votou a favor, ao contrário do PS. A razão está explicada no texto da declaração de voto, com um exemplo concreto: “As entidades reguladoras são entidades que, para o seu bom funcionamento e para minimizar a interferência do poder político, devem ter” um “muito elevado grau de independência, tendo para além de autonomia administrativa e financeira e de gestão, independência orgânica funcional e técnica”.

Governo compromete-se a cativar menos 189 milhões do que em 2017

O PS apresentou uma proposta de alteração onde concede ao Bloco de Esquerda noutro ponto das cativações, fixando uma espécie de travão ao uso desse instrumento de gestão orçamental. A regra que vai passar a constar no Orçamento, depois de a esquerda ter aprovado a proposta (a direita absteve-se) é que as cativações do próximo ano não ultrapassem 90% do valor de cativações deste ano. Ou seja, que não fiquem acima de 1.692 milhões de euros, em 2018 — a conta é feita com base na estimativa que a Unidade Técnica de Acompanhamento do Orçamento do Estado (UTAO) fez, colocando as cativações deste ano nos 1.881 milhões de euros.

A redução obrigatória, de 10%, acaba por resultar num valor simbólico, com o PS a tentar dar, assim, resposta ao Bloco de Esquerda que exigiu ao Governo contenção no uso deste instrumento que tem criticado com firmeza na negociação do Orçamento. Já o ministro das Finanças tem respondido sempre considerando este um “instrumento essencial” para controlar eventuais derrapagens na execução do Orçamento do Estado.

A esquerda uniu-se para fazer cair as aspirações da direita para que fosse criado um tecto máximo para as cativações. Neste capítulo — ao contrário do que aconteceu quanto à transparência do uso deste instrumento — os parceiros do PS não desalinharam e opuseram-se, em conjunto, ao que pretendiam PSD e CDS.

Descongelamento de carreiras num acordo final

O acordo na votação já estava acertado e acabou por acontecer como estava previsto: PS, Bloco de Esquerda e PCP aprovaram a proposta do PS que empurra para um “processo negocial” a discussão sobre como será contado o tempo de serviço das carreiras especiais (professores, militares, polícias e juízes). Não vingou, no entanto, as propostas da esquerda para que fosse contabilizado já todo o tempo de serviço congelado (entre 2011 e 2017) para efeitos de progressão na carreira.

Carreiras: Governo altera um “de” para “do” para responder a sindicatos

A proposta que introduzia esta possibilidade entrou à última hora, na sexta-feira passada, quando ainda decorriam negociações entre o Governo e os professores. – e a que acabaram por se juntar as outras carreiras especiais da função pública, onde o tempo de serviço conta para progredir na carreira. Entretanto, a abertura inicial do Governo sofreu várias alterações, acabado autonomizada e com uma alteração final com que o Governo acabou pro dar a garantia aos sindicatos que a negociação que se segue será sobre o tempo concreto em que houve congelamento.

Depois dos professores, quem se segue? Polícias, militares e juízes exigem tratamento igual

Pensões: Aumento extra aprovado e CDS abstém-se no complemento aos “lesados”de um ministro do…CDS

O CDS absteve-se na votação da proposta de alteração do Bloco que o partido reclamava para compensar os “lesados de Mota Soares” — uma referência aos pensionistas que se reformaram antes da idade legal, no período da troika, tendo cortes significativos nas suas pensões. Ou seja, o CDS não se opôs a uma proposta que o BE sempre apresentou como uma solução para um problema criado por um ministro do… CDS. PS, PCP juntaram-se ao Bloco de Esquerda para aprovar o alargamento do Complemento Solidário para Idosos às reformas antecipadas do período da troika, numa exigida pretendida pelos bloquistas que o Governo aceitou inscrever no Orçamento do Estado. O PS só se opôs à segunda parte desta alteração, já que o BE queria que o CSI fosse alargado a todas as reformas antecipadas.

BE teve acordo do Governo para alargar CSI a reformas antecipadas

Ficou também aprovado o aumento extraordinário para os beneficiários que têm pensões de 632 euros ou abaixo deste valor. O aumento de 10 euros vai vigorar a partir de agosto do próximo ano e foi aprovado pela esquerda e CDS, com a abstenção do PSD. O CDS absteve-se nas pensões mínimas (aumentadas em seis euros), ao lado do PSD.

Corte do subsídio de desemprego eliminado, depois de disputa entre BE e PCP

Em 2018 vai mesmo acabar o corte de 10% do subsídio de desemprego ao fim de seis meses. Foi uma vitórias dos parceiros do PS no Parlamento que, na hora da votação, ainda disputaram louros, tentando que fosse a sua proposta a primeira a ser votada.

PCP e Bloco de Esquerda estiveram cerca de 20 minutos a discutir o que valia: a ordem que constava no guião de votações ou a ordem de entrada das propostas de alteração no sistema. Tudo porque as propostas que apresentavam para esta eliminação eram iguais e a primeira a ser aprovada era a que determinava quem vencia esta espécie de corrida pelo mais influente da “geringonça”. Vinte minutos de troca de argumentos depois, na comissão de Orçamento e Finanças, as duas propostas acabaram por ser votadas e com a mesmíssima votação: esquerda a favor e a direita a abster-se.

Horas extra voltam a ser pagas em janeiro

O pagamento integral das horas extraordinárias na função pública também foi aprovado e vai contar a partir de janeiro, tal como estava inscrito na proposta de Orçamento entregue pelo Governo na Assembleia da República. A medida foi aprovada com os votos favoráveis de todas as bancadas parlamentares, só o PSD se absteve. A proposta do Governo especificava que a reposição se efetivava em 2018, mas sem dar “lugar ao pagamento de quaisquer retroativos”.

Contratações de psicólogos e nutricionistas para SNS

Esta tarde foram também aprovadas duas propostas do partido Pessoas-Animais-Natureza, que permitem a entrada de 40 psicólogos e 40 nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde. As propostas foram aprovadas por PS, Bloco de Esquerda e PCP, com a abstenção de PSD e CDS.

Para a contratação de mais 40 psicólogos, o PAN argumentava que “apenas uma pequena parte das pessoas com problemas de Saúde Psicológica têm acesso a estes serviços. De acordo com os dados mais recentes, quase 65% das pessoas com uma perturbação mental não teve qualquer tratamento”. E hoje, explicou o partido na sua proposta de aditamento a um artigo do Orçamento, “o número de psicólogos existentes no SNS não é suficiente, com 1 profissional para cada 16.638 habitantes, quando, através de um cálculo moderado, deveria haver pelo menos 1 psicólogo por cada 5000 habitantes, existindo territórios onde não existe sequer 1 psicólogo”. Já quanto ao reforço de nutricionistas, no texto do aditamento, o PAN explicava que em 2014, “mais de metade da população portuguesa (52,8%) com 18 ou mais anos tinha excesso de peso”. Assim, o partido propôs (e conseguiu aprovar) o aumento da “presença de nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde, nos Cuidados de Saúde Primários, Hospitalares e Continuados”.