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O que levou os taxistas a organizar uma marcha lenta contra a Uber na sexta-feira?

Os taxistas querem que o Governo se pronuncie sobre a Uber e impeça a empresa tecnológica de operar no país. Dizem que querem mostrar a sua “indignação e revolta” com a “não decisão do Governo” face à atividade da Uber e que querem ser ouvidos pela Assembleia da República.

Em março, o presidente da Associação Nacional de Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) avançou que ia exigir ao Governo que os veículos da Uber fossem apreendidos, quando detetados pelas autoridades, e que os motoristas fossem multados na hora e “presos, como em França”.

As declarações surgiram na sequência de uma manifestação espontânea de taxistas no aeroporto de Lisboa, que paralisou o serviço durante horas, e que levou o ministro do Ambiente a convocar uma reunião com os representantes do setor. Dessa reunião saiu um pacote de medidas para reformular o setor, mas nada sobre a atividade da tecnológica.

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O que vai acontecer na sexta-feira?

Mais de 6 mil carros vão fazer uma marcha lenta anti-Uber em Lisboa, Porto e Faro. Da capital, está previsto que saiam mais de quatro mil carros do Campus da Justiça às 9h em direção à Assembleia da República, onde planeiam chegar por volta das 12h30/13 horas. Pelo meio, param na Avenida Dom Carlos I, onde está previsto que os familiares e apoiantes dos taxistas saiam dos carros e iniciem uma marcha a pé.

Para conhecer o percurso da manifestação e alternativas de transportes públicos para a manhã de sexta-feira, clique na imagem que se segue:

mapa uber

No Porto, esperam-se dois mil carros em protesto desde o Castelo do Queijo à Câmara Municipal do Porto. Em Faro, esperam-se cerca de 500 taxistas. Carlos Ramos, da Federação Portuguesa de Táxi diz que esta será “a grande, grande, grande” manifestação do setor.

Para saber mais informações úteis sobre a manifestação, leia aqui.

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Porque é que os taxistas querem uma intervenção do Governo?

Porque o processo judicial que envolve a Uber é controverso desde o início. A ANTRAL interpôs uma providência cautelar contra a Uber, para impedir a tecnológica de operar, que foi aceite pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, em abril de 2015.

Contudo, a providência cautelar foi interposta à entidade jurídica errada, à Uber Technologies, nos EUA, quando a Uber portuguesa responde à delegação na Holanda. A Uber, ainda assim, apresentou oposição em tribunal, mas as medidas cautelares mantiveram-se. O processo está agora em fase de recurso e aguarda uma decisão do Tribunal da Relação.

Tendo em conta que a notificação do tribunal não abrange a atividade da plataforma em Portugal — só nos EUA –, a Uber manteve os serviços UberX e Uber Black ativos, apesar de os taxistas afirmarem que é ilegal. E, por esta razão, querem que o Estado intervenha.

Como? Obrigando a Uber a cumprir os mesmos requisitos a que são sujeitos os taxistas, em termos de impostos, formação dos condutores, licenças, entre outros. A Uber, por sua vez, afirma-se apenas como uma intermediária de serviços e defende que as entidades parceiras com que trabalha cumprem a lei em vigor.

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Mas é verdade que a Uber é ilegal?

Para o tribunal, que aceitou os argumentos apresentados pela ANTRAL como verdadeiros, sim. E por isso proibiu a tecnológica de operar. Mas a Uber não foi ouvida no processo e defende-se dizendo que os argumentos apresentados pelos taxistas não estão corretos. (Para ler os argumentos, passe à próxima pergunta)

Quando teve oportunidade de apresentar defesa em tribunal, esta foi composta por duas partes: a primeira serviu para explicar o que era a Uber e que modelo utilizava. A outra para explicar porque é que a providência cautelar não tinha aplicabilidade prática em Portugal: porque a Uber Technologies Inc não tem operação no mercado português, contou Rui Bento ao Observador.

Se, na providência cautelar apresentada pelos taxistas, se lê que a Uber é “uma associação empresarial que agrega empresas de transporte rodoviário de passageiros em automóveis, vulgo táxis”, e que explora uma “atividade de aluguer de veículos de passageiros com condutor”, para Rui Bento isto não é verdade.

O diretor da tecnológica defende que a Uber é uma plataforma tecnológica, que serve de intermediária entre empresas parceiras e utilizadores. E que, em Portugal, não existem regras que impeçam a operação de plataformas eletrónicas de intermediação. Ou seja, que “a Uber pode operar como plataforma de tecnologia tal como o Booking pode ligar pessoas a hotéis, o Airbnb pode ligar pessoas a apartamentos, uma central de táxis, no limite, pode ligar pessoas a motoristas de táxi”.

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Mas o que argumentam os taxistas?

Os taxistas centraram a argumentação inicial em três aspetos: as licenças que são obrigados a pagar, e que dizem que a Uber não paga; a formação que os profissionais do táxi são obrigados a ter, e que dizem que os motoristas da Uber não têm; além dos impostos que têm de pagar.

Esta semana, o presidente da Federação Portuguesa de Táxi veio dizer que a “plataforma da Uber não é ilegal”, mas que quem presta os serviços através da plataforma (como empresas de animação turística ou de rent-a-car), sim. Para Carlos Ramos, estes parceiros estão numa situação ilegal”, porque “não há licenças, não há alvarás, não há autorizações”, quando deveriam “cumprir com as regras aplicadas a todos os transportadores”.

Além de argumentar que as viaturas que prestam serviço para a Uber “não estão licenciadas para o efeito”e que desconhece que reúnam “as condições estabelecidas para transportarem passageiros”, também refere que “os seguros não estão da forma como a lei exige e o motorista não tem formação”.

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Como se defende a Uber da falta de licenças?

Na carta que enviou ao deputado Bruno Dias, do PCP, Rui Bento explicou que as empresas parceiras da Uber estão licenciadas de acordo com a legislação em vigor e que inclui Táxis Letra A, Táxis Letra T, operadores turísticos e empresas de rent-a-car.

Os taxistas têm argumentado que o tipo de serviços que estas empresas parceiras prestam são ocasionais e não nasceram para transportar pessoas ao ritmo que a Uber faz. Em entrevista ao Observador, Rui Bento afirmou que a Uber veio potenciar estes serviços, que já estavam previstos na lei, mas também reconhece que a atual lei não foi escrita a pensar em plataformas tecnológicas e na Uber, em específico.

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Os taxistas têm razão em relação aos impostos?

A Uber defende-se dizendo que todas as viagens pedidas através da Uber são pagas de forma eletrónica e automática. Ou seja, os pagamentos são rastreáveis pelos clientes, bancos e administração fiscal, sem nunca haver troca de dinheiro físico. As viagens são pagas através do cartão de crédito.

No final da viagem, “é emitida uma fatura eletrónica em nome do prestador de serviço de transporte, com os dados fiscais introduzidos pelo utilizador, através de uma plataforma eletrónica homologada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e que inclui o IVA a ser pago ao Estado português à taxa legal em vigor”, lê-se na carta enviada ao deputado do PCP.

A empresa justifica, ainda, que os parceiros e motoristas da Uber estão registados em Portugal e que pagam, por isso, os impostos devidos ao Estado português.

A Uber tem a sede fiscal na Holanda, na Uber BV, e cobra uma taxa às empresas parceiras por ligá-las aos utilizadores e por processar os pagamentos eletrónicos das viagens. Os responsáveis explicam que, por ser uma empresa internacional que detém operações em dezenas de países, a Uber BV cumpre com as obrigações fiscais e com as regras de tributação internacionais e da União Europeia.

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O que argumenta a Uber quanto aos seguros?

Na carta que foi enviada ao deputado do PCP, a Uber esclarece que “vai mais longe do que a legislação em vigor” e que exige aos parceiros que cumpram com um conjunto de normas de seguros comerciais:

  • Os veículos ligados à plataforma da Uber devem ter um seguro que inclui uma apólice de responsabilidade civil com um capital coberto mínimo de 50 milhões de euros, e uma apólice de proteção de ocupantes com um capital coberto mínimo de 10 mil euros.
  • As empresas parceiras da Uber devem ter um seguro com uma apólice de responsabilidade civil de exploração com um capital coberto mínimo de 50 mil euros, e uma apólice de proteção de acidentes pessoais com um capital coberto mínimo de 15 mil euros.
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Os taxistas reuniram-se com o Governo. O que é que saiu daí?

Saiu um pacote de 17 milhões de euros para modernizar o setor do táxi. A reunião entre os representantes da ANTRAL e da FPT com o ministro do Ambiente acabou com o anúncio de um pacote de 10 medidas que serão desenvolvidas em concertação com as associações profissionais.

O objetivo é o de melhorar a imagem do setor, aumentar o desempenho ambiental e a eficiência, flexibilizar e inovar. Sem resolver o problema da Uber. Os taxistas, contudo, não acolheram bem as medidas e afirmaram que os 17 milhões serviam como “moeda de troca” para não resolverem o problema da ilegalidade da Uber. Foi uma reunião “inconclusiva”, disseram.

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O que tem o ministro do Ambiente a dizer sobre o assunto?

O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, afirmou esta quinta-feira que dificilmente será possível travar a Uber, porque “funciona de forma desmaterializada”. “É difícil dizer que a Uber vai parar”, admitiu.

No programa “Fórum TSF”, Matos Fernandes anunciou a criação de um grupo de trabalho em que vão participar, também, os autarcas e os operadores de transportes. O objetivo é encontrar novas soluções e “novas formas de mobilidade”. Ainda assim, o governante deixou um aviso: este grupo só deverá “apresentar conclusões até ao final” de 2016.

 

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A Uber está satisfeita com a legislação atual?

Não. Em entrevista ao Observador, Rui Bento reconheceu “que a lei atual não foi escrita a pensar em plataformas tecnológicas e na Uber em específico”, acrescentando que “essa é uma das razões pelas quais defende que é importante que haja uma atualização regulatória”.

Então, qual seria a melhor forma de regulamentar o setor? Baixar o nível de exigência aplicada aos taxistas? Aumentar a das empresas tecnológicas?

“Em primeiro lugar, acho que é importante perceber quais são os princípios que se querem salvaguardar com uma nova regulação. Listando esses mesmos princípios, pensaria na proteção do interesse e segurança do consumidor, na criação de oportunidades económicas e de emprego, em trazer uma mobilidade maior e mais conveniente às cidades e nos benefícios para a economia portuguesa. Estes quatro princípios parecem-me óbvios e elementares numa regulação de mobilidade. Posto isto, acho que a regulação deverá passar, primeiro, por perceber e reconhecer o papel que as plataformas de tecnologia têm na mobilidade. Em segundo lugar, por criar um regime claro e transparente de aluguer privado de veículo com motorista, como existe, por exemplo, no Reino Unido”, afirmou Rui Bento.

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É a Comissão Europeia que vai regular atividades como a da Uber?

Talvez. De acordo com o que foi avançado por um porta-voz da comissária dos Transportes, Violeta Bulc, estão a ser preparadas orientações sobre o tema que serão disponibilizadas aos Estados-membros. E que soluções de âmbito nacional não serão bem-vindas.

“Respostas precipitadas ou descoordenadas de nível nacional ou local a estes desafios podem criar incertezas legais, fragmentar aquele é que o mercado único e dificultar o crescimento da economia colaborativa na Europa. A posição da Comissão Europeia é esta: estamos a tentar perceber como podemos encorajar o desenvolvimento de serviços novos e inovadores e a utilização temporária de ativos, sem favorecer um modelo de negócio em detrimento de outro”, afirmou ao Observador um porta-voz da comissária dos Transportes, Violeta Bulc.

A Comissão Europeia reconhece que, apesar de este tipo de serviços abrir a porta a um maior leque de escolhas, preços mais baixos e oportunidades de crescimento, também levanta questões importantes relacionadas com os direitos dos consumidores, impostos e legislação laboral.