A campanha eleitoral de Emmanuel Macron, o candidato em melhores condições para vencer as próximas presidenciais francesas, está a ser financiada em 30% pela Arábia Saudita? Não, não está. Mas foi isso que, em final de Fevereiro, surgiu publicado num site de notícias falso (LeSoir.info), todo ele desenhado à imagem do histórico LeSoir.be, para assim induzir os leitores em erro e credibilizar uma informação deliberadamente forjada. Não foi caso isolado contra Macron. Nas últimas duas semanas, tem circulado nas redes sociais a imagem de uma alegada declaração de apoio, escrita em árabe, na qual líderes da Al-Qaeda anunciariam a sua preferência pela eleição de Macron. Há quatro dias atrás, um artigo publicado num site francês anti-liberal dava conta da intenção de Emmanuel Macron em instituir a Charia numa localidade do país, legalizando a poligamia e os maus-tratos às mulheres. Tudo falso, evidentemente.
Há mais. O tema é quase sempre a imigração e a tensão social com a população muçulmana. No mês passado, foi veiculada a informação de que o Estado francês estaria em vias de adquirir um grupo de 62 hotéis, através de um empréstimo de €100 milhões do Banco Europeu para o Desenvolvimento Social, com o objectivo de providenciar habitação às populações migrantes que chegassem a França. Simultaneamente, avançou-se com a notícia de que o Estado francês estaria em preparativos para substituir dois feriados católicos por feriados muçulmanos e judeus – um para cada, em nome da igualdade. Mais recentemente, foi também notícia de que, no governo francês, se ponderava a possibilidade de atribuir o direito de voto a jihadistas detidos e sob custódia do Estado francês. Na mesma altura, acumulou milhares de partilhas nas redes sociais um mapa de França com a identificação dos focos de tensão entre a polícia e populações magrebinas. Só que o mapa é, na realidade, de 2005. E tudo o resto é completamente mentira.
A denúncia destas e de outras notícias falsas resulta do trabalho conjunto dos órgãos de comunicação franceses, num projecto que apelidaram de CrossCheck. O objectivo é elevar o fact-check a instrumento de limpeza do debate das mentiras com potencial de influenciar a opinião pública. O exercício tem sido bem-sucedido – estes rumores, logo que descredibilizados, desapareceram. Mas, para além da sua eficácia, tem igualmente o mérito de, elencando as notícias falsas, realçar os seus traços comuns.
Primeiro, na campanha presidencial francesa, estas notícias falsas são maioritariamente favoráveis a Marine Le Pen. Seja por atacarem directamente Macron com falsidades – a questão do financiamento da sua campanha permite, aliás, afastar as atenções sobre a relação financeira de Le Pen com a Rússia. Seja por reforçarem a sua mensagem identitária e persecutória contra as populações muçulmanas, recorrendo a mentiras sobre o favorecimento e os privilégios dessa população. Segundo, estas “fake news” alimentam-se da emocionalidade do debate. E, neste momento, a emoção empurra a integração das populações muçulmanas na Europa para a primeira linha temática – algo que, novamente, favorece Le Pen. Terceiro, não só há uma tentativa deliberada de enganar o leitor (copiando os grafismos de fontes credíveis) como, ao que tudo indica, as fontes virtuais das mentiras estão sempre registadas em países estrangeiros. Ou seja, há indícios de que outros Estados possam pretender usar esta técnica para influência indirecta no debate político, em prol dos seus interesses – e, nesse sentido, não é segredo que a Rússia partilha agenda com Marine Le Pen e aplaude as suas promessas de abandono da EU, pelo que tem interesse óbvio em promover a candidata.
Dir-me-ão que não existem provas do envolvimento russo nas mentiras que surgem na campanha das presidenciais francesas. Sim, mas as coincidências falam por si – como assinala Anne Applebaum. Putin e Le Pen partilham inimigos e objectivos (a EU e o seu enfraquecimento), o Kremlin está a financiar a campanha da líder do Front National e tudo o que acima foi descrito coincide com o modus operandi russo para influenciar a campanha eleitoral americana (para benefício de Donald Trump). A Europa anda sem norte. Mas os seus inimigos sabem muito bem por onde navegam.