Uma das características mais particulares da cultura e da política francesas é a ilusão de grandeza. Na cabeça das elites francesas, o seu país ainda comanda os destinos da Europa e do mundo enquanto potência económica, militar, política, linguística e cultural – como quem faz de conta que os últimos 70 anos não aconteceram. Daí que, nas noites eleitorais, cada presidente-eleito seja elevado nas análises a salvador da França e da Europa. Não é exagero, é rotina.

Hollande, na noite de 6 de Maio de 2012 em que foi eleito presidente, discursou e, nesse sentido, fixou os limites do seu mandato: não haveria limites. A sua eleição mudaria tudo. Aquela era “uma grande data para a França, um novo início para a Europa e uma nova esperança para o mundo”. As políticas de austeridade deixariam de ser inevitáveis e a sua missão enquanto presidente da França seria “atribuir à construção europeia uma dimensão de crescimento, prosperidade e de futuro”, missão acerca da qual “imediatamente informaria os seus colegas europeus, a começar pela Alemanha”. Isto porque a França “não é um país qualquer no planeta, nem uma nação qualquer no mundo” e tem a incumbência de “semear os valores republicanos pelo globo”. Cinco anos depois, a euforia esvaziou-se e a realidade não poderia ser mais diferente. Também por isso, o desastre que foi o mandato de François Hollande começou nessa noite: o seu irrealismo nunca alteraria a realidade.

Ora, Macron quebrou a rotina e evitou triunfalismos. Na sua primeira mensagem pós-eleitoral, foi apaziguador, realista, grave, sóbrio e focado nos desafios de um país dividido – e que o escolheu porque não queria Marine Le Pen no Palácio do Eliseu. Ele percebeu o que está em causa. Grande parte do país desconfia do seu liberalismo e Macron precisará de todos para montar o seu projecto político, desde logo nas eleições legislativas de Junho, que determinarão as condições de governabilidade no país. Não há motivo para euforias. E esse realismo foi um primeiro bom sinal.

Mas no país do rococó, a sobriedade não passa bem. Na televisão francesa (France 24), os comentadores criticaram-lhe a falta de vigor e o “tom aborrecido” com que se dirigiu ao país. Não é isso que os franceses esperavam, disse-se, enquanto se discutia se Macron seria o Barack Obama europeu, pois tudo nele é “histórico”. Os mesmos comentadores que, há cinco anos, fizeram juízo semelhante acerca de Hollande e se renderam à “Hollandemania” – não aprenderam nada. Fica o aviso. Sim, Macron terá pela frente imensos obstáculos políticos. Ele é um homem sozinho, carece de apoios políticos estáveis para implementar reformas e tem o seu estatuto ferido pelo voto útil contra Le Pen e pela maior abstenção desde 1969. Mas nenhum desafio será maior do que aquele que passa por convencer um país constantemente maravilhado consigo próprio de que precisa de mudar se se quiser manter relevante na cena europeia e internacional.

Os pontos de interrogação são muitos. Terão as reformas de Macron adesão popular? Conseguirá ele os apoios políticos de que necessita para as implementar? Como evoluirá o sistema partidário francês e que impacto terá essa evolução nos equilíbrios políticos? Haverá tempo, nos próximos meses, para abordar cada um deles. Hoje, há que manter os olhos no essencial: a França escolheu um liberal que, na sua primeira hora de presidente-eleito, evitou o tradicional triunfalismo eleitoral e fugiu ao irrealismo dos que acreditam que basta boa-vontade para mudar a Europa. É uma pequena amostra, mas chega para ser melhor do que Hollande – socialista e irrealista. E, isso sim, dá alguma esperança.

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