Um tipo que tenha sido educado em Física, como eu, tem um defeito horrível. Não consegue lidar com complicações. Coisas complicadas, com muitas variáveis, muitas classificações, muitas medidas com nomes diferentes, provocam-me logo uma sensação de enfado. E, ou me são indiferentes e ignoro, ou me custam dinheiro e lá vou eu que ter que lidar com a coisa.

Isto a propósito do plano B orçamental, dos planos de estabilidade, planos de reformas e do facto do MS Excel do Sr. Ministro das Finanças se arriscar a ficar mais famoso que o próprio, o que é uma manifesta injustiça. Nestas coisas de planos e Orçamentos de Estado pode haver muita incerteza, mas não sobre quem vai perder no fim. Se há fator perfeitamente determinístico nestes planos, é que eu vou pagá-los. Por isso vamos lá simplificar a coisa para percebermos o que está em causa.

Os economistas falam de capital, dinheiro, matérias primas, bens, serviços, trabalho, etc. Economia é a troca destas “coisas”. Ou seja, uma pessoa troca, com outras pessoas, uma “coisa” destas, por outra “coisa” destas. Ao conjunto das trocas chamamos “economia” (não confundir com Economia, com E grande, que é a “ciência” que se debruça sobre o tema e que vamos ignorar). Ora, se posso trocar umas “coisas” pelas outras é porque partilham um fundo comum, ou seja, para os aspetos práticos, é tudo a mesma “coisa” com formas diferentes. Deixamos as diferenças para os economistas e vamos dizer que é tudo a mesma coisa chamada “trabalho”. Portanto, uma economia para nós é simplesmente o conjunto de trocas de “trabalho” e esquecemos o resto.

Tem mais dinheiro? Então pode trocar por mais “trabalho” de outras pessoas. Porque é que tem esse dinheiro? Porque trocou pelo seu “trabalho”. Como é que tem essa casa? Porque trocou o seu “trabalho” por dinheiro e, depois, este pela casa, que tem muito “trabalho” de outras pessoas lá dentro. Outro exemplo que gosto muito: o petróleo vale o “trabalho” que dá que tirá-lo da terra. E o oxigénio? A mesma coisa, por isso o conseguimos sem dinheiro. E um carro até pode andar sem petróleo, mas não sem oxigénio. O oxigénio é muito mais importante para o motor do carro que o petróleo, mas o petróleo é que entra na economia porque incorpora “trabalho”. “Trabalho”, no passado, no presente ou no futuro, isso é a única coisa que se troca em economia, embora em formatos diferentes. Ficou mais simples, certo? Só existe um tipo de interação.

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Se economia são as trocas, como olhamos para as pessoas? As pessoas controlam as quantidades de “trabalho” que trocam (e só o que trocam!). Nunca ficam com ele, porque quando morrem esse “trabalho” que controlam continua cá. E o “trabalho” que trocamos hoje continua cá amanhã, não desaparece. À quantidade de “trabalho” que cada um de nós controla, chamamos de “riqueza”. Podemos usá-la quando quisermos para trocar por mais “trabalho” de outras pessoas. Para finalizar, é óbvio que a quantidade de “trabalho” não se mede pela energia física que despendemos nele ou pela quantidade de horas. Isso são coisas que só dizem respeito às pessoas. A quantidade de “trabalho” mede-se pela quantidade de “trabalho” que os outros quiserem dar pelo nosso na troca. Como isto é uma pescadinha de rabo na boca, os homens inventaram padrões, como o dinheiro ou o “trabalho” que dá tirar ouro da terra, mas para o nosso objetivo aqui isso não interessa. O que interessa é que a mesma quantidade de energia gasta numa tarefa pode resultar em quantidades de “trabalho” completamente diferentes.

Resumindo(*), temos trocas e temos pessoas que vão acumulando o “trabalho” trocado. O que não é trocado, não existe. E isto resume, de forma simples, um sistema económico e a partir daqui podemos começar a perceber a algaraviada dos planos dos nossos governantes que vamos, inquestionavelmente, pagar.

Vamos focar-nos no défice do Estado. Existe défice porque é maior a quantidade de “trabalho” que o Estado nos tira que a quantidade de “trabalho” que vem, em troca, dos respetivos fornecedores (funcionários públicos, bancos, empreiteiros, etc.). Isto é possível porque a troca não é livre, é imposta. Nós somos obrigados a fazer esta troca e conseguimos perceber que a quantidade de “trabalho” que recebemos é inferior àquela que damos. Como se percebe isso? Se fechássemos as fronteiras, por absurdo, aquilo que aconteceria é que os fornecedores do Estado receberiam mais quantidade de “trabalho” que aquela que dão. Ficariam mais ricos. Mas o “trabalho” que acumulam só pode ser trocado com os demais cidadãos, pelo que o diferencial de riqueza se dissiparia, tal como o défice. Agora vamos abrir as fronteiras. Neste caso, as trocas de trabalho podem ser feitas com cidadãos de outros países e a diferença face aos cidadãos locais, não só não se dissipa, como se cava. Ou seja, como as primeiras medidas foram dar mais quantidade de “trabalho” aos fornecedores do Estado, a consequência vai ser que estes vão ficar mais ricos que os demais cidadãos, o défice do Estado vai crescer e a balança comercial vai-se inverter para aquilo que sempre estivemos habituados: o défice externo. Simples, certo? Bem podem os políticos virem-lhe bombardear de metalinguagem de Economia porque o resultado vai ser aquele que está descrito acima. Os défices, quer o do Estado, quer o externo, vão piorar na medida em que se deu mais “trabalho” aos fornecedores do Estado. Se isso vai acontecer nas contas do segundo trimestre ou do terceiro é uma questão contabilística.

Então, mas o ministro não meteu aquela do “só entra um se saírem dois”? Meteu. Isso foi feito já dezenas de vezes no passado e não funcionou porque, como dissemos acima, a quantidade de trabalho não se mede em tempo ou em esforço. O ministro até pode achar, e bem, que assim nós pagamos menos. Isto é, damos menos “trabalho” aos fornecedores. Mas se os fornecedores nos derem, em troca, ainda menos “trabalho”, então o défice não desce, vai subir. A solução é, pelo mesmo “trabalho” dos fornecedores do Estado, nós darmos menos do nosso. Isso será o que faz descer o(s) défice(s). Como o governo se inaugurou a fazer exatamente o contrário, agora terá que o fazer em dobro. E como penso que os únicos fornecedores do Estado que sobram são os funcionários públicos, a única medida possível é cortar os salários. Se o Tribunal Constitucional não deixa, então que se juntem os políticos necessários para que passe a deixar.

Estará o leitor a pensar que isto não vai acontecer nunca. Bem, também nunca ninguém disse que o Estado português seria eterno e, em boa verdade, tudo o que se passa é escolha nossa. Como não podemos pagar para sempre, ficamos a saber que, pelo menos, esta coisa dos planos não se vai repetir muitas vezes. Não enquanto República Portuguesa, pelo menos…

(*) Como será óbvio, isto não saiu da minha cabeça enquanto escrevia isto. Há anos e anos de investigação e estudo de muita gente, a maior parte deles economistas, em torno deste tema que me esforcei para resumir num par de parágrafos.

PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer