Na sequência da vitória de António Costa nas primárias do PS, o jornal indiano Hindustan Times dedicou ao edil de Lisboa uma entusiástica peça congratulando-se com a perspectiva de um político de ascendência indiana se poder tornar a curto-prazo primeiro-ministro de Portugal e louvando as suas muitas qualidades. Para ilustrar a sua popularidade e o seu carácter, o dito jornal informou até os seus leitores de que António Costa é conhecido como o “Gandhi de Lisboa”, devido ao seu “estilo de vida espartano”. Fora da comunidade jornalística portuguesa, a comparação poderá ser sentida como algo hiperbólica, mas se Costa poderá não ser um novo Gandhi, arrisca-se a ser uma versão lusitana de Hollande.

Conforme muito bem alertou Helena Matos, “a boa imprensa, de que Costa inegavelmente gozou, torna-se frequentemente um presente envenenado.” De facto, as elevadíssimas expectativas criadas em torno de Costa pelos jornalistas e pelo seu próprio aparelho de comunicação – assente em parte no universo da Câmara de Lisboa – podem vir a revelar-se muito difíceis de compatibilizar com a realidade.

É certo que as primeiras sondagens pós-primárias são animadoras para António Costa, desde logo porque a perspectiva de poder é uma condição imprescindível para a pacificação interna do PS, mas o mesmo não pode ser dito das suas tomadas de posição ao longo das últimas semanas. O avisado e sagaz Augusto Santos Silva, em entrevista ao Observador, foi enfático no seu aviso de que António Costa deve evitar hollandices, mas Costa tem tido grandes dificuldades para seguir esse sábio conselho.

O primeiro sinal significativo de preocupação veio da escolha de Ferro Rodrigues para liderar a bancada parlamentar do PS. Quando o partido – e Costa – teriam tudo a ganhar em escolher uma figura não acorrentada ao passado, o regresso de Ferro Rodrigues ao primeiro plano denota que Costa não quer – ou pior ainda não pode – distanciar-se nem sequer dos elementos mais marcados do socratismo. Sem surpresa, numa das suas primeiras intervenções no plenário, o reabilitado Ferro Rodrigues não poupou nos elogios a… José Sócrates.

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Depois, também na votação sobre a proposta do BE para reestruturar a dívida pública os sinais foram inconsistentes e contraditórios. Se por um lado os signatários do Manifesto dos 74 foram obrigados a dar o dito por não dito em nome da credibilidade externa do PS, por outro ficou a pairar no ar a dúvida sobre o que realmente defenderá Costa neste domínio, decisivo para o futuro do país. Não dizer nada de concreto é certamente preferível a promessas irrealistas, mas fica em aberto como vai António Costa lidar com as expectativas que continua a criar relativamente ao fim da “austeridade” (a tal que chegou bem fundo nos bolsos dos contribuintes e na actividade das empresas mas quase não tocou na máquina do Estado e nos grupos de interesses associados).

As infelizes declarações sobre fundos europeus somaram mais um episódio que evidencia um grau de impreparação inaceitável num candidato a primeiro-ministro. Neste contexto, a bizarra resposta assinada por António Costa em reacção a um artigo de Ricardo Arroja constitui um indicador inequívoco – e preocupante – de que Costa continua muito mal assessorado.

Na mesma linha vai a desorientação relativamente ao timing para a aplicação da prometida reposição dos salários dos funcionários públicos, que tanto é anunciada pelo PS como um compromisso firme para 2016, como poucos dias depois passa, pela voz de Costa, a uma intenção sem data definida. A este respeito, as duras críticas formuladas pelo insuspeito Paulo Trigo Pereira são bem elucidativas.

Por último, em tão curto espaço de tempo, há ainda a assinalar o anúncio da intenção de taxar todos os não lisboetas que aterrem no aeroporto de Lisboa ou utilizem hotéis na capital. Uma medida de agravamento fiscal que, entre outros problemas, choca de frente com declarações da Associação de Turismo de Lisboa, presidida pela Câmara de Lisboa, que ainda recentemente criticava ferozmente a subida das taxas aeroportuárias, associando-as a uma  “vontade cega de aumentar taxas e impostos” e acusando quem realiza tais aumentos de estar a “matar a galinha dos ovos de ouro”.

O candidato do PS a primeiro-ministro ainda vai certamente a tempo de inverter caminho, preparar-se de forma mais competente e apresentar propostas claras, realistas e consistentes. No entanto, para já vão-se infelizmente acumulando cada vez mais sinais de que, caso chegue ao poder, Costa poderá seguir o trajecto de Hollande: passar rapidamente de uma grande esperança a uma enorme desilusão.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa