Há quem se entusiasme com as negociações do PS à esquerda, nelas identificando um momento de mudança irreversível no sistema político português. Pedro Adão e Silva escreveu no Expresso que a disponibilidade de PCP viabilizar um governo e (talvez) um OE2016 do PS é “um muro que cai e que desbloqueia o sistema partidário português à esquerda”. E defendeu que, independentemente da solução de governo que for encontrada, “foram dados passos clarificadores e irreversíveis”. No mesmo jornal, José Miguel Júdice louvou a estratégia de António Costa (que considera o político “mais dotado” da sua geração) e deixou um recado: “o Bloco e o PCP devem imitar o Tsipras de Setembro e não o de Janeiro”. Ora, no mínimo, estão ambos iludidos: o sistema partidário continua bloqueado à esquerda. O muro não caiu.
Primeiro, porque o PCP não mudou, apenas escolheu um mal menor. Só existem duas alternativas na mesa de negociações: ou há governo liderado por PSD/CDS, ou há governo liderado por PS (com ou sem outros partidos). E o PCP optou pela alternativa que detesta menos. Por mais que alguns a imaginem, não existe aqui uma mudança comportamental do PCP que, em situações análogas, aplicou o mesmo critério. Por exemplo, nas presidenciais de 1986, Álvaro Cunhal apelou ao voto em Mário Soares (um inimigo de estimação) porque avaliou ser indispensável impedir a eleição de Freitas do Amaral – e, assim, ordenou tapar a cara do candidato Soares mas fazer uma cruz no “quadrado certo”. Hoje, passa-se o mesmo: os comunistas taparão o que for preciso para viabilizar António Costa e derrotar Passos Coelho. O PCP não mudou. Aliás, o PCP não muda.
Segundo, porque Jerónimo também não votará favoravelmente um OE2016 que cumpra a meta de 3% de défice, pois a meta arrasta consigo a existência de “austeridade” (nos salários, nas pensões, nos apoios sociais). O último editorial do «Avante!» é claro: os votos do PCP “opor-se-ão a tudo o que signifique mais exploração, empobrecimento, injustiças sociais e declínio nacional”. Traduzido, o compromisso do PCP é votar medida a medida, o que não difere da sua prática habitual. Ou seja, o muro do PCP não cedeu um milímetro.
Terceiro, porque o BE continua refém do “sectarismo” que o tem impedido de “ser um factor de convergência e reconfiguração da esquerda portuguesa”, como bem apontou Daniel Oliveira na sua carta de demissão, em 2013. O debate interno no BE não é novo e o partido rejeitou sempre as oportunidades que teve para ultrapassar o bloqueio partidário à esquerda. Os seus militantes declinaram quaisquer entendimentos com movimentos de cidadania ou a possibilidade de participar num executivo do PS. É agora, do nada, que o BE vai fazer uma viragem de 180 graus, assinando um acordo para a legislatura com o PS e renegando a sua identidade? Face às recentes declarações de dirigentes como Pedro Filipe Soares, custa a acreditar nessa hipótese. O sectarismo não morreu no BE.
Apesar dos jogos tácticos, o bloqueio está sólido. O que nos leva à pergunta: antes de 5 de Outubro, onde estavam todos aqueles que agora clamam por um governo que una as esquerdas, exigindo ao PCP e ao BE que deixem de ser eles próprios? Uma coisa é certa: não votaram no LIVRE, que recolheu 0,7% dos votos. É que, ao contrário de PCP e BE, o LIVRE tinha um programa realista, de matriz europeia e alinhado com os compromissos do país. E nasceu da convicção de que era urgente uma solução para o bloqueio partidário à esquerda. Ou seja, o único partido de esquerda que tinha condições para entendimentos com o PS teve 39 mil votos. Foi escorraçado.
A tragédia do bloqueio partidário à esquerda resume-se nesse fracasso eleitoral. Não haverá governo PS com PCP e BE, e a responsabilidade é, em primeira instância, dos novos adeptos das coligações à esquerda: tivessem pensado nisso antes e feito a cruz no quadrado certo – no LIVRE. Porque as cruzinhas no PCP e no BE são, precisamente, o que mantém de pé o muro dos bloqueios.