Para o cidadão a proposta de criação um “banco mau” só pode soar estranha. É que bancos maus é coisa que não nos tem faltado. Os que já caíram, os que estão frágeis e podem vir a cair e aqueles que precisam de uma forte reestruturação, com entradas massivas de dinheiro dos accionistas.

Esta última seria, idealmente, a solução normal para os bancos em dificuldades. Se o problema é de capital, como quase todos os problemas bancários são, então a solução é a entrada de capital. E esta compete aos accionistas que já são donos de cada banco ou a outros, que queiram vir a ser.

O que se tem passado na última década é que a confiança nas instituições bancárias é tanta ou tão pouca que são muito raros os que aparecem dispostos a fazer esse investimento. Por falta de vontade, porque fazem as contas e concluem que o risco é demasiado. Ou por falta de dinheiro. E sem capital, os bancos caem no colo dos contrinuintes, atirados para lá por sucessivos governos em pânico com o pesadelo do risco sistémico.

O que se está a passar com a Caixa Geral de Depósitos só não se chama resgate porque se dá o caso do resgatador de serviço – o Estado, com o dinheiro dos contribuintes – ser, neste caso, também o accionista do banco, o que nos remete para a normalidade do reforço de capital feito pelos seus próprios donos.

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Não fosse este o caso e, possíveis ilícitos criminais à parte, a Caixa seria mais um Espírito Santo ou Banif.

O que se passou no banco do Estado, sobretudo em grande parte da década passada, não foi muito diferente do que ocorreu em vários bancos privados: investimentos ruinosos decorrentes de maus planos de negócio, aposta comercial insensata no crédito imobiliário, financiamento a projectos privados insustentáveis que se tornaram incobráveis, tráfico de influências com motivações estritamente políticas e partidárias, promiscuidade entre governos e grupos e investidores privados à margem de qualquer racionalidade do negócio bancário. No fundo, o ponto de encontro entre má gestão, péssima política e privados dependentes, o Triângulo das Bermudas que deu cabo de uma boa parte do país.

Os quatro mil milhões de euros que, segundo o Observador e o Expresso, poderão ser colocados pelo Estado na Caixa são, de uma certa forma, diferentes dos quatro mil milhões públicos no resgate do BES ou dos três mil milhões colocados na operação do Banif. É que aquele dinheiro, para o bem e para o mal, será colocado numa instituição pública e nunca saem do largo perímetro do Estado. Mudam de bolso, mas o dono é o mesmo.

Mas, por outro lado, um euro dos contribuintes é um euro dos contribuintes. E quando servem para acorrer a perdas passadas, como é o caso, não há euros bons e euros maus: são todos euros perdidos e representam impostos que estamos a pagar hoje ou vamos pagar no futuro. Como contribuinte é-me indiferente que me vão ao bolso por um caso de política ou por um caso de polícia. O dinheiro era meu e foi-me retirado de forma compulsiva por erros alheios.

A ideia de ter uma forte presença do Estado no sector bancário tem largos adeptos e, arriscaria dizer sem dispôr de qualquer dado objectivo que o sustente, ganhou popularidade nos últimos anos, à medida que bancos privados iam caindo e os contribuintes foram chamados a pagar facturas pornográficas. Se os privados arruinam os seus bancos e depois deixam so encargos para os cofres públicos, então mais vale que aqueles sejam logo públicos. Isto faz todo o sentido. Mas para ser verdadeiramente efectivo e o país tirar alguma vantagem disso, muita coisa tem que mudar.

Tem que mudar o papel e a missão do banco ou bancos públicos. Tem que mudar o relacionamento dos governos com estas instituições. Tem que mudar a sua governação e transparência. Tem que mudar o contributo que os bancos do Estado dão à economia e à sua sustentabilidade.

Mais do que a quantidade da quota de mercado do Estado na banca, o que está em causa é a qualidade.

Digam-me em que é que a Caixa tem servido para regular o mercado, para financiar projectos empresariais viáveis que os privados não financiam, para ser um parceiro eficaz na internacionalização de empresas competentes, para ser um apoio na capitalização das empresas, para fazer a diferença na democratização do acesso a serviços financeiros, para ser um esteio de solidez no sector.

Sem este tipo de missões bem definidas que justifiquem um sector financeiro forte nas mãos do Estado, nunca passaremos dos chavões ideológicos “público vs. privado”, “defesa de interesses estratégicos” e “centros de decisão nacional”. Que nada mais têm querido dizer do que milhares de milhões dos contribuintes derretidos, seja por erros públicos ou privados.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com