O ser humano tem, desde Descartes, olhado para si próprio como um animal racional. “Racional”, e de uma forma simplista, porque é a partir do uso da razão que aprende e se conhece a si próprio e ao mundo, uma característica inata e que o distingue dos restantes animais.

A partir desta concepção de ser humano, foi com naturalidade que a teoria económica predominante desenvolveu o postulado da racionalidade económica, criando o “Homo Economicus”. Um ser com uma capacidade “infinita” de pensar, de considerar todas as opções e por isso de optimizar sempre o processo de decisão, fazendo sempre as escolhas racionalmente perfeitas (e por isso as “melhores”).

Mas… porque é que tomamos decisões erradas com tanta frequência? Porque é que compramos coisas que não precisamos? Porque é que de forma intencional pagamos mais por coisas que fazem o mesmo que outras, mas mais baratas, e não nos importamos? Porque é que tomamos decisões que nos prejudicam? Porque é que a comparação social é um dos principais influenciadores no processo de compra?

A metáfora racionalista tem-se mostrado cada vez menos útil para as diferentes disciplinas que estudam o Homem e o comportamento do Ser Humano, da psicologia ao marketing, passando pela economia. Trabalhos como o “Erro de Descartes” – pela mão de António Damásio – ou o livro “Predictably Irrational” – de Dan Ariely – vieram marcar um ponto de viragem. Mostram como é inquestionável que o que torna os Seres Humanos únicos – diferentes dos restantes animais ou dos computadores – são as emoções e a forma como estas influenciam o que sabemos ou pensamos. As emoções orientam o processo de tomada de decisão, a construção da experiência e a relação das pessoas entre si e com tudo o que as rodeia.

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Um exemplo concreto é o conceito de “solidariedade”, exclusivo dos seres humanos e que emana do facto de estes partilharem valores, que formam uma cultura e que nos ensinam a proteger os mais fracos ou aqueles que não podem ou não sabem cuidar de si próprios. Os leões, por exemplo, não criam instituições para cuidar dos mais fracos; pelo contrário, deixam-nos morrer. “Gastar” recursos com os menos capazes contraria inclusive a lei da sobrevivência dos mais fortes, como apresentada por Darwin no ensaio “On the Origin of Species”. Mas fazemo-lo! E sentimo-nos bem com isso, o que é exclusivo do Ser Humano.

O que nos move a tomar uma decisão – por exemplo a comprar uma marca sobre outra – é a forma como essa decisão nos faz sentir, o que diz de nós, o que significa para nós e que relevância tem para nós e para quem nos rodeia. Independentemente se é aquela que – de forma factual – é a opção com melhor relação custo/beneficio. Voltando às questões atrás, “Porque é que compramos coisas que não precisamos? Porque é que de forma intencional pagamos mais por coisas que fazem o mesmo que outras, mais baratas, e não nos importamos?” A resposta é, tão “simplesmente”, porque é o que nos faz mais sentido no momento, o que nos faz sentir melhor ou que é para nós mais importante.

Nesse sentido, uma alternativa mais compreensiva à conceptualização do ser humano é a metáfora “narrativa”, que nos faz olhar para a pessoa como um homo fabulus – um contador de histórias. Para a psicologia, é hoje evidente que é através do uso particular da linguagem e da construção e partilha de histórias, o storytelling, que os seres humanos comunicam, se organizam – a si mesmos e entre si – e dão significado a tudo o que acontece.

Por isso as histórias nos envolvem, fascinam! Ao contrário dos factos ou estatísticas, que tendem a aborrecer-nos. Apesar da importância dos factos, são as histórias que nos movem e que nos fazem importar. E quando nós nos importamos, nós respondemos. A neurociência já nos mostrou por exemplo que, quando ouvimos uma história, partes especificas do nosso cérebro são ativadas por forma a relacionar o que ouvimos com as nossas experiências e referências pessoais. Estamos literalmente “programados” para ouvir, construir e partilhar histórias, connosco e com os outros.

É este o desafio que atualmente, mais que nunca, se coloca às marcas: o de conseguir que o consumidor se importe, responda e se relacione com elas e com os seus produtos. E tal só será possível se elas próprias tiverem uma história relevante, que faça sentido enquanto parte integrante da(s) história(s) das próprias pessoas.

As histórias não se limitam a descrever a realidade: são as próprias histórias que as criam. Daí história e experiência serem inseparáveis. Neste contexto, o foco não está sobre as marcas, está sobre as pessoas e sobre o valor que elas ganham quando se envolvem com as marcas e quando as marcas se tornam parte da sua história.

Vivemos hoje num contexto cultural e tecnológico onde os consumidores sabem (quase) tudo sobre uma marca, desde a sua origem, até onde e como os seus produtos são fabricados e vendidos. Em consequência, as empresas são avaliadas pelos consumidores por muito mais do que apenas os seus produtos, ao contrário do que acontecia há 40 ou 50 anos. Os valores da marca, a forma como esta se posiciona perante questões sociais e as emoções que evoca são, por isso, extremamente relevantes para os consumidores e conteúdo de enorme potencial num contexto de construção de uma história relevante (brand storytelling).

Conseguir esta história, esta narrativa, exige uma ideia criativa com um poder emocional forte, a partir de um insight genuíno e verdadeiro acerca da relação entre o produto e a vida. Assim, o storytelling constitui uma oportunidade incrível de comunicação para as marcas, quando estas são capazes de, com os consumidores, construir uma história com um conteúdo que dá significado, sentido e um peso emocional forte à presença do produto nas suas vidas, nos seus grupos e nas suas comunidades.

Gustavo Mendes é docente na Porto Business School