O tiroteio de Orlando e todos os ataques homofóbicos divulgados pelos media ou perpetrados no anonimato de escolas e ruas, bairros e organizações, através de actos sádicos e cobardes de bullying, obrigam a pôr em perspectiva muita coisa e a clarificar equívocos que permanecem sobre a atracção e o amor entre pessoas do mesmo sexo.

Aceitamos mais facilmente comportamentos intoleráveis de pessoas heterossexuais, do que a homossexualidade dos homossexuais.

Um tipo pode ser um tarado do pior, ou um grande perverso, mas se é heterossexual a coisa pode passar mais despercebida. Sabemos da existência de muitos heterossexuais ditos normais, alguns até casados e pais de família, que revelam taras clínicas e comportamentos patológicos brutalmente castigadores no campo sexual. Ou seja, ofendem toda a moral, afectando gravemente as pessoas com quem se relacionam, mas se tiverem uma vida aparentemente normal não chegam a ser rotulados.

Já com os homossexuais o caso muda de figura e podem até ser pacatos cidadãos e viver relações estáveis, que não escapam ao estigma, às piadas mais ou menos assassinas, à condenação geral. Muitos ainda são discriminados, e embora todos saibamos que muitos também já não são vítimas de qualquer tipo de discriminação (e alguns até já beneficiam de discriminação positiva por via de lobbies influentes e poderosos), vale a pena olhar para aquilo que nos faz condenar alguém só por ser homossexual.

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A homossexualidade não é um tema moderno e é impossível ignorar o conflito interior vivido pela esmagadora maioria de homossexuais quando descobrem em si a autenticidade destes sentimentos. No momento, ou no tempo em que cada um descobre que sente atracção por pessoas do mesmo sexo, o que prevalece inicialmente são os sentimentos de culpa, a perplexidade, a dúvida, a negação, o medo e até uma certa confusão. Tudo isto se pode eternizar durante anos, e até décadas, pois este tempo de conflito interior também depende muito da idade da descoberta, do tipo de família, dos amigos e do enquadramento social de cada um.

Existem muitos livros publicados sobre estas matérias, cheios de testemunhos pessoais, mas também com enunciados científicos. Isto, claro, para não falar dos tratados morais e outros que tais. Hoje interessa-me mais a dúvida, mais as perguntas, do que as respostas. Continuo na linha interrogativa de Halík, sobre a qual escrevi a crónica anterior, portanto.

Olhar para toda esta questão do ponto de vista dos homossexuais é importante. Ajuda a compreender muita coisa, pois todos os especialistas convergem no mesmo ponto de partida: as pessoas não escolhem sentir-se atraídas por ninguém, acontece simplesmente sentirem essa atracção. E isto serve, naturalmente para hetero e homossexuais.

Muitos homossexuais são confrontados com a pergunta: ser homossexual é uma escolha? Alguns deles confessam ser uma dúvida intolerável, que os choca, pois revela sempre ignorância sobre esta realidade.

Acontece que a ignorância é geral, pois as sondagens que continuam a ser publicadas por revistas tão insuspeitas como a Newsweek, para dar apenas um exemplo mais universal, revelam elevadas percentagens da população mundial que acreditam que sim, que é uma opção. E mais, acreditam que é curável através de terapias, da força de vontade e, para os mais crentes, através da força da oração.

Não sou quem possa vir para aqui dizer se é tratável ou não. Não faço a menor ideia do que sente alguém que experimenta a realidade da atracção por pessoas do mesmo sexo, mas tenho amigos e conhecidos que atravessam essa mesma realidade e custa-me a crer que seja curável. Até porque alguns deles tentaram ‘curar’ e viver uma vida ‘normal’ cavando ainda mais fundos os abismos interiores provocados pelos seus dilemas existenciais e amorosos.

Interesso-me pelo tema precisamente por estarmos todos muito próximos de pessoas de todas as idades e gerações que sofrem por serem homossexuais. Sofrem e muito. E é a pensar nestas pessoas que leio, converso, debato e escrevo sobre a questão. E, por isso, deixo aqui fragmentos de diálogos publicados em livros como Is It A Choice?, de Eric Marcus , e de Free Your Mind, de Ellen Bass e Kate Kaufman, ambos editados pela Harper Collins ().

À pergunta “Porque é que há cada vez mais homossexuais?”, Marcus responde o que todos sabemos, mas nem sempre recordamos: “Sempre existiram homossexuais, mas muitos foram obrigados a disfarçar e a mentir durante a vida inteira. A grande diferença, hoje, é que muitos podem viver uma vida mais normal e contar com a compreensão da família, dos amigos e da comunidade”.

Parece evidente e soa a verdade de La Palisse, mas o sofrimento de muitos homossexuais começa e acentua-se justamente na família, nos amigos e na comunidade. Sobretudo em comunidades pequenas, nos meios rurais e de província.

“As pessoas nascem homossexuais?” Eis outra pergunta frequente nesta espécie de FAQ (frequent answers and questions) sobre o tema. “Esta pergunta remete para 1800, quando Magnus Hirschfeld, fundador do primeiro movimento a favor dos direitos dos homossexuais, na Alemanha, declarou que acreditava na origem biológica da homossexualidade. Neste momento os cientistas tentam perceber a importância da genética, mas também ainda não chegaram a conclusões definitivas, sendo, por isso, possível acreditar que se pode nascer gay. Ou não.”

Entre as perguntas mais frequentes há uma outra que acaba por ser sempre expressa: “Os pais podem, sem querer, um educar um filho para ser homosexual?” A esta inquietação Marcus responde de forma categórica: “Ninguém tem essa capacidade.” E diz mais: “Freud deu essa explicação e em certos meios prevalece a crença errada de que um homossexual pode ser o resultado de uma mãe poderosa e um pai passivo ou ausente. Em minha opinião nada disto é verdade pois está provado que estes mesmos pais podem ter vários filhos e apenas um dele ser homossexual”.

Seja como for, termino como iniciei. Acontecimentos como Orlando têm que nos interpelar a níveis muito profundos e para além do medo que instala em certas comunidades, em certas latitudes.