No pedido de clarificação do acórdão do Tribunal Constitucional, o Governo baseia-se em precedentes… socialistas: um pedido de aclaração feito pelo ex-primeiro-ministro António Guterres, sobre um decreto-lei relativo a zonas de caça associativas; e um pedido de nulidade feito por Mário Soares, enquanto Presidente da República, sobre a Lei de Imprensa.

À saída da conferência de líderes, que se realizou esta quarta-feira à tarde para decidir se a Assembleia da República fazia ou não um pedido de esclarecimento formal ao Constitucional, o líder parlamentar do CDS lembrou um caso em 1995 em que o Constitucional se pronunciou depois de um pedido de Mário Soares, então Presidente da República. Sublinhou o deputado que o Constitucional privilegiou a substância à forma.

O acórdão a que Magalhães se referia é o nº 58/95, em que o Constitucional respondia a um pedido de nulidade de uma decisão dos juízes (1995). Este foi o primeiro caso em que o Constitucional se deparou com um pedido de nulidade. No acórdão, os juízes admitem que “a dúvida de que a decisão tomada por este órgão de fiscalização da Lei Fundamental o teria sido irregularmente, isso será quanto basta para que o Tribunal não possa, nem deva, eximir-se do enfrentamento do problema que agora lhe foi colocado, independentemente de uma questão formal ligada com a de saber se a dedução dessa dúvida foi ou não processualmente exercida em tempo oportuno, o que sempre faria mesmo que, neste particular, concluísse pela intempestividade”. E por isso, o Tribunal aceitou analisar o pedido de nulidade. Resultado: não deu razão a Mário Soares.

Além do acórdão de Mário Soares, fonte do Governo recordou ao Observador um acórdão de resposta a um pedido de António Guterres, em 1996 (nº 1145/96), relativo a dúvidas sobre um decreto-lei sobre a zona de caça associativa.

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Na resposta, o Tribunal considerou que a decisão não era “ambígua”: “Foi assim decidido, em termos que não se consideram obscuros ou ambíguos, isto é, susceptíveis de o seu entendimento não ser inteiramente inteligível ou de se prestar a diferentes interpretações”, escreveram os juízes, considerando que o Governo de António Guterres não tinha razão. Mesmo assim, pronunciou-se.

Acontece que o que o Governo pode pedir não é uma “aclaração”. Na verdade, o que está em causa é uma reforma de sentença. O Processo de Código Civil foi revisto pelo atual Governo e desapareceu a possibilidade de “clarificação de sentença”, só permanecendo, no artigo 616, “a reforma de sentença”.

Na carta que o primeiro-ministro fez chegar à presidente da Assembleia da República, fazia o pedido ao abrigo de dois artigos: o 614º, referente a erros técnicos e o 615º do Código de Processo Civil em que é pedida a nulidade tendo como base que “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Estes dois artigos mantêm-se, o que desapareceu foi o da aclaração.