O Banco Central Europeu (BCE) criticou hoje a Comissão Europeia por não fazer cumprir as regras orçamentais que foram reforçadas propositadamente no seguimento da crise, e alerta para tratamentos diferentes dados entre os países, lembrando que a França devia ser alvo de sanções por não tomar medidas eficazes e que Espanha e Portugal não foram alvo de um alerta precoce, quando no ano passado França e Eslovénia o foram numa situação semelhante.
Benôit Coeuré, um dos membros da comissão executiva do BCE, já tinha expressado o descontentamento do BCE em relação à falta de cumprimento das regras orçamentais europeias, naquele que era o primeiro grande teste às novas regras reforçadas pelo Tratado Orçamental.
Agora, foi a vez de o BCE num documento oficial expressar a mesma visão crítica. No seu Boletim Económico, publicado esta quinta-feira, a instituição liderada por Mario Draghi faz uma avaliação dura do processo de revisão dos projetos de planos orçamentais para 2015.
Em primeiro lugar, o BCE sublinha que, com exceção da Bélgica, “nenhum dos países considerados em riso de incumprimento do PEC [Pacto de Estabilidade e Crescimento] implementou medidas suficientes para eliminar o desvio de consolidação identificado pelo Eurogrupo em dezembro de 2014”.
O BCE começa logo pela França, a quem foi pedido que tomasse mais medidas para aumentar o esforço de ajustamento estrutural para o mínimo exigido nas regras europeia – 0,5% do PIB. O país foi alvo de uma avaliação posterior da Comissão Europeia, no final de fevereiro, mas não aumentou os esforços como tinha ficado decidido nessa reunião do Eurogrupo em dezembro.
Nos casos de Portugal e Espanha, que também estão ao abrigo da vertente corretiva do PEC e a quem forma dirigidas recomendações no sentido de tomarem medidas para melhorarem os respetivos défices, ainda se verificou uma ligeira redução dos défices previstos “os quais permanecem, contudo, acima dos objetivos estabelecidos, enquanto os esforços estruturais ficaram igualmente aquém dos requisitos”.
Já no braço preventivo no PEC, os planos da Itália continuam abaixo do esforço de ajustamento (metade) recomendado pelo Eurogrupo. O caso da Áustria é ainda mais paradoxal, porque o esforço de redução do défice em vez de aumentar como era recomendado, até diminuiu, o que, a confirmar-se no final do ano, devia dar alvo a sanções na primavera do próximo ano.
Só Bélgica e Malta tomaram as medidas para que o esforço de redução do défice atinja o nível acordado com o Eurogrupo.
E as sanções?
Caso um país não tome medidas eficazes destinadas a corrigir a situação de défice excessivo, as regras preveem que seja feita uma notificação a esse país e a aplicação de uma multa correspondente a 0,2% do PIB. Existem atenuantes, mas, especialmente no caso da França, já tinha sido dado mais tempo ao país anteriormente para cumprir as metas do défice e foi reduzido de 0,8% para 0,5% o esforço de consolidação exigido para este ano, mas mesmo assim a França não cumpriu, não apresentou medidas para aumentar o esforço de 0,3% para 0,5% e ainda não assim não foi alvo de sanções.
Os outros dois casos, são os de Portugal e Espanha, onde o BCE evidencia o tratamento diferente dado a estes dois países (mais favorável) que a outros países no ano passado em situação semelhante: “Não obstante o risco de incumprimento dos prazos recomendados pelo Conselho para a correção dos défices excessivos de Espanha e Portugal, a Comissão não emitiu um alerta precoce sob a forma de uma recomendação autónoma para estes países – ao contrário do sucedido no ano passado, em que foram dirigidas recomendações a França e à Eslovénia em situações semelhantes”.
Só cumprindo as regras se gera confiança
A mensagem, que já tinha sido passada por Benôit Coeuré, é que se as regras foram reforçadas precisamente para evitar novas crise e recuperar a confiança perdida nas regras antigas, que não conseguiram evitar o acumular de desequilíbrios nas finanças públicas que levaram ao agravar da crise, e que se estas não forem aplicadas derrotam a razão da sua própria existência.
“É importante que os instrumentos do quadro de governação reforçado sejam aplicados de modo eficaz e consistente ao longo do tempo e nos diversos países. É essencial que sejam efetivamente utilizados da forma pretendida, com vista a assegurar posições orçamentais sustentáveis nos países da área do euro. Só assim será possível que o PEC atue como âncora da confiança”, diz o BCE.
A instituição liderada por Mario Draghi considera mesmo que é cada vez menos provável que sejam abertos procedimentos aos países que tenham desvios, “dado que os requisitos em termos de ajustamento têm vindo a ser reduzidos ao longo do tempo nos países que enfrentam conjunturas macroeconómicas difíceis” e aponta que “o procedimento relativo aos desequilíbrios excessivos também ainda não foi ativado, não obstante terem sido detetados desequilíbrios excessivos”.
O BCE dá especial importância a nova norma da dívida que foi incorporada na vertente corretiva do pacto, que tinha considerado como uma das grandes inovações das novas regras, mas que, diz, “está em risco de passar para segundo plano, caso seja de facto subordinada à vertente preventiva enfraquecida, a qual, na sequência da comunicação da Comissão Europeia sobre a flexibilidade, dá pouca atenção a preocupações com a sustentabilidade da dívida”.