Pode ser apenas uma excepção, como pode ser um sinal de tempos completamente diferentes. A saída do Reino Unido de uma União Europeia que viveu em constante expansão exige pelo menos toda a prudência. Durante anos os ingleses brincaram com a burocracia de Bruxelas e a classe política foi deixando que se criasse a ideia de que se dava excesso de dinheiro à União. Até ao dia em que os britânicos, chamados a votar, disseram que sim, que queriam sair.

As reportagens da comemoração do Brexit revelam bem o que vai na alma do povo. “Vamos poder gastar o nosso próprio dinheiro, vamos poder fazer as nossas próprias regras”, dizia uma inglesa, crente numa espécie de milagre de prosperidade que se irá concretizar com essa saída. Claro que não vai ser assim. Mas boa parte dos ingleses começaram a ficar fartos da União Europeia.

Um dia depois de a União ter ficado mais pequena, dia 1 de Fevereiro, 17 dos agora 27 reuniram-se em Beja tendo como anfitrião o primeiro-ministro António Costa. Foi a terceira Cimeira da Coesão. “Neste dia de divisão é importante lançar uma mensagem clara de coesão”, disse António Costa.

A expressão “coesão” tem de facto um duplo sentido. Não se pode dizer que estamos perante uma mensagem de “coesão”, quando 17 Estados-membros se reúnem em Beja, Portugal, deixando de fora dez. “Coesão” ou o grupo dos “amigos da coesão” significa na realidade a defesa de fundos europeus, de dinheiro.

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Na declaração dos “Amigos da Coesão” pode ler-se que querem que os “recursos para o Política de Coesão para o período de 2021-27 seja igual, em termos reais, ao de 2014-20”. A declaração acabou por ser assinada apenas por 15 dos 17. De fora ficaram a Croácia porque, estando na presidência da União, quis manter a neutralidade, e a Itália por considerar que não estava nas mesmas circunstâncias, de acordo com o que foi referido por fonte do governo português ao Público.

Em causa estão as propostas para o Quadro Financeiro Plurianual. Para o Fundo de Coesão, a Comissão Europeia propõe um corte de 10% face a 2014-20 e a Finlândia, que presidiu à União no último semestre de 2019, avançou com um corte de 12%. O designado “Grupo Frugal” constituído pela Alemanha, Áustria, Dinamarca, Países Baixos e Suécia é o que se coloca ao lado dos cortes.

Simplificadamente, estamos perante a oposição entre os contribuintes líquidos e aqueles que, como Portugal, recebem mais do que contribuem. Ou seja, o problema é: como é que países como os “5 frugais” explicam ao seu eleitorado porque transferem mais dinheiro para UE do que aquele que recebem.

Por muito que se façam os sofisticados raciocínios de que parte do dinheiro que chega aos países menos desenvolvidos acaba por regressar aos mais desenvolvidos por via do que lhes compram sob a forma de consumo ou investimento, aquilo que se vê é o dinheiro a sair. E alguns dos cidadãos desses países, com razão ou sem ela, têm uma péssima opinião sobre a forma como foi gasto esse dinheiro no passado.

A escolha de Beja para o encontro dos “Amigos da Coesão” é, aliás, um paradoxal. Beja é um concelho que pode ser ao mesmo tempo símbolo da necessidade de reforço dos fundos de coesão ou símbolo do dinheiro mal gasto e prioridades mal definidas.

Os líderes dos 17 que chegaram a Beja podem ter ficado impressionados com a má qualidade dos acessos e se viram a manifestação podem ter ficado convencidos que sim, países como Portugal precisam ainda de muitos fundos. Mas Beja é também o símbolo do dinheiro mal gasto, com um aeroporto que custou 33 milhões de euros, pronto a funcionar desde 2011 e que ninguém parece querer viabilizar. E de prioridades mal definidas, com auto-estradas sem tráfego e uma capital de distrito sem um acesso que seja no mínimo uma via rápida.

A cimeira da coesão dá-nos antes uma imagem de falta de união da União. E motivo para ter medo que os sentimentos de revolta de alguns britânicos com a União se contagiem a outros povos europeus. Não é boa ideia juntar um grupo para pedir mais dinheiro a outro. Muito menos depois de um país ter saído da União Europeia.