Depois dos arquitetos, dos engenheiros e dos empreiteiros saírem, entraram eles. Pincéis na mão, tintas de várias cores, uma folha para servir de modelo à vista com desenhos de borboletas, flores, pássaros e cavalos. No dia em que a Vista Alegre decidiu abrir o seu primeiro hotel, meia dúzia de metros ao lado da fábrica de onde saem cerca de 65 mil porcelanas por dia, ficou claro: não ia ser preciso comprar quadros porque nas paredes — e por todo o lado — ficaria a loiça.
Já depois das porcelanas coladas, os artistas da secção de pintura foram chamados a dar os últimos retoques. E desde 2 de novembro, data oficial de abertura do novo hotel do grupo Visabeira, quem visita o Montebelo Vista Alegre, em Ílhavo, encontra figuras pinceladas que saltaram de travessas e pratos para as paredes, seja junto aos elevadores ou dentro dos quartos — até nos fraldários há loiças a servirem de decoração.
“Quem vier 72 vezes pode dormir em 72 quartos distintos, porque todos têm elementos diferentes”, diz António Machado Matos, diretor do hotel. A juntar a este número e aos três pisos do edifício moderno e soalheiro assinado pelos arquitetos Tiago Araújo e Paula Fonseca Nunes, estarão, ainda este mês, mais 10 quartos dentro do Palácio Vista Alegre, que em tempos serviu de residência do fundador da fábrica e que foi integralmente recuperado para o efeito, com uma ligação interna para o hotel principal que é a verdadeira ponte entre o antigo e o moderno.
Sacudindo o pó às porcelanas, o nome do fundador e proprietário original do palácio era José Ferreira Pinto Basto, latifundiário e comerciante que trocou Lisboa por Ílhavo ao perceber o potencial da região em termos de matérias primas e de transporte, com o rio Boco que atualmente se vê de quase todos os quartos — e que é um dos braços da famosa ria de Aveiro — a servir de estrada. As ruínas descobertas durante as escavações para construir o novo hotel não enganam: a Quinta Vista-Alegre da Ermida, assim chamada por causa de uma capela mas também da fonte cuja água deixaria com a vista alegre quem a bebesse, era rica em argila e também em caulino, o minério que “permite que a porcelana coza a altas temperaturas”, explica Filipa Quatorze, responsável pelas visitas à “grande fábrica de louça, porcelana, vidraria e processos chímicos” que Pinto Basto fundou em 1824 e que normalmente são reservadas a profissionais, embora tenham acontecido, excecionalmente, para o Observador.
Embora a fábrica esteja vedada ao visitante comum, isto não significa que não seja possível viver o ambiente industrial e histórico da Vista Alegre quando se reserva uma noite no hotel de cinco estrelas — muito pelo contrário. Para além das loiças nas paredes, cada andar do empreendimento foi decorado com as várias fases da porcelana, dos moldes à pintura, e aquilo que se vê exposto pode também ser encomendado, como se o hotel fosse uma espécie de galeria. Logo à mão, a poucos metros de distância, estão também duas lojas da marca: uma premium, com as várias edições especiais da Vista Alegre à venda, e um outlet com algumas peças com pequenos defeitos a preços reduzidos.
A par do palácio, todo o espaço fabril vizinho do hotel foi inserido no projeto de recuperação, da capela de Nossa Senhora da Penha de França — monumento nacional datado de 1693 –, ao bairro operário que, desde muito cedo, incluía uma creche, um posto médico e um teatro para os trabalhadores.
Com data de abertura prevista para o início do próximo ano está ainda o Museu Vista Alegre, desenvolvido em parceria com o Museu Nacional de Arte Antiga e construído a partir dos antigos fornos da fábrica, dois gigantes em tijolo burro que no século XIX demoravam sete dias a aquecer e em cujas chaminés desativadas as cegonhas fazem agora ninhos.
“O museu vai contar a história da marca através de objetos, documentos, fotografias, desenhos técnicos e artísticos”, diz Filipa Quatorze, precisando que essa história será não só do produto, em termos de “evolução de estilo, temáticas e técnicas”, mas também “social”. Do serviço educativo farão parte workshops dados por alguns dos 600 trabalhadores da fábrica — pequenos cursos de pintura e modelagem, por exemplo, para meter as mãos na porcelana.
De volta ao hotel, há spa à disposição dos hóspedes, piscina exterior e interior, sauna, jacuzzi e banho turco. E os pratos não estão apenas nas paredes — estão também nas mesas. Com assinatura do chef Rui Rodrigues Ramalhoto, a carta do restaurante Vista Alegre serve cozinha tradicional portuguesa, alguns pratos internacionais e várias especialidades regionais reinventadas, da caldeirada de enguias ao risotto de bacalhau, peixe ricamente representado na ementa, ou não fosse Ílhavo considerada a capital do bacalhau.
Mais ou menos reinventados, de peixe ou de carne, todos os pratos são servidos, como não poderia deixar de ser, num serviço de mesa… Vista Alegre.
Nome: Montebelo Vista Alegre Ílhavo Hotel
Morada: Lugar da Vista Alegre, Ílhavo
Reservas: 234 241 630; montebelovistaalegre@montebelohotels.com
Preços: Quartos de 95€ a 210€, com pequeno-almoço incluído