O Governo conseguiu que a Comissão não chumbasse a proposta de Orçamento do Estado para 2016 apresentando, à última hora, o recuo na descida na Taxa Social Única para os trabalhadores com rendimentos até 600 euros, mas Bruxelas continua a duvidar das contas da equipa de Mário Centeno e só espera metade da receita com o aumento adicional com o imposto sobre o tabaco, e da poupança com o novo sistema de declaração de remunerações, do maior controlo das baixa por doença e da saída de 10 mil funcionários públicos. Quanto vale o otimismo do Governo? 155 milhões de euros.

A história das negociações entre o Governo e a Comissão Europeia sobre o Orçamento do Estado para 2016 já vai longa. Ainda antes de apresentar o Esboço, o Governo negociou com Bruxelas e apresentou uma proposta de meta do défice mais baixa que a original, passando de 2,8% para 2,6%. O que se seguiu nas duas semanas depois da apresentação do Esboço até à apresentação da proposta de Orçamento, foi um braço-de-ferro até ao último minuto, até o Governo aceitar reduzir mais o défice, agora para os 2,2% do PIB, e mudar a forma como o fazia.

Na sexta-feira, o colégio de comissários deu luz verde à proposta, considerando que, mesmo depois das medidas adicionais apresentadas, se encontra em sério risco de incumprimento, pedindo mais ao Governo já durante o processo orçamental e deixando o aviso que em breve, durante a primavera, irá reavaliar as metas.

Mesmo depois do acordo, os números da Comissão Europeia não batem certo com os do Governo. O esforço adicional que o Governo apresentou, nem todo é de facto um verdadeiro esforço. E nem tudo o que o Governo apresenta, é validado pela Comissão Europeia.

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As diferenças nos números

Na sexta-feira, após a reunião do colégio de comissários, a Comissão Europeia publicou a sua opinião e explicou-a em conferência de imprensa. Nessa comunicação, o vice-presidente da Comissão Europeia para o Euro, Valdis Dombrovskis, disse que a redução do saldo estrutural este ano prevista depois de olhar para as novas medidas prometidas pelo Governo estaria entre os 0,1 e os 0,2 pontos percentuais do PIB potencial.

Pouco depois, o ministro das Finanças, já na carta enviada a Bruxelas e mais tarde na conferência de imprensa da apresentação do Orçamento do Estado para 2016, calculava este esforço de forma diferente e de forma mais positiva para o Governo: o esforço estrutural era afinal de 0,3 pontos percentuais.

A diferença? “Tem a ver como cálculo é feito pela Comissão Europeia e pelos serviços do Ministério das Finanças, e, portanto, pelo Governo português. As diferenças muitas vezes têm a ver com a dimensão das medidas e a forma como entram no cálculo”, disse Mário Centeno, questionado diretamente sobre esta diferença, na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento.

O que Mário Centeno não explicou foi que diferença de dimensão era esta. Nas contas da Comissão Europeia, publicadas na sexta-feira, há cinco diferenças entre as contas do Governo e as da Comissão no que ao que as medidas dizem respeito. Quatro delas, explica a Comissão, são medidas em que “o resultado estimado pelas autoridades portuguesas para estas medidas é otimista”, sobre as quais Bruxelas considera que existem riscos de implementação e cujo resultado pleno só poderá acontecer a médio prazo.

Os riscos em torno tanto da poupança estimada, como da sua concreta aplicação, “terão de ser reavaliados no âmbito do próximo Programa de Estabilidade e das previsões económicas da primavera 2016”, que deverão ser apresentados em abril e maio, respetivamente.

Que medidas são estas?

Há quatro medidas em que a Comissão Europeia simplesmente não acredita que produzam o resultado esperado. Bruxelas estima que estas quatro medidas só deem metade da receita/poupança esperada.

  • Aumento adicional do imposto sobre o tabaco – Governo espera receita de 100 milhões de euros, Comissão Europeia de apenas 50 milhões de euros.
  • Regra de uma entrada por cada duas saídas na Administração Pública com o objetivo de cortar reduzir em 10 mil o número de funcionários – Governo espera poupar 100 milhões de euros, Comissão Europeia espera apenas 50 milhões de euros.
  • Novo sistema de declaração de rendimentos à Segurança Social – Governo espera poupança de 50 milhões de euros, Comissão Europeia de apenas 25 milhões de euros.
  • Aumento do controlo das baixas médicas – Governo espera poupança de 60 milhões de euros, Comissão de apenas 30 milhões de euros.

No total, segundo as contas da Comissão Europeia, o “otimismo” do Governo vale 155 milhões de euros a mais do que Bruxelas acha que é possível alcançar este ano com estas medidas.

Para além destas medidas, há uma outra que Bruxelas não considera como tendo efeito estrutural, que é a receita estimada com o instrumento de reavaliação de ativos das empresas para efeitos fiscais. A Comissão Europeia considera que esta medida tem um impacto não recorrente no ano de 2016 que não pode ser ignorado, e, portanto, não a considera no cálculo do saldo estrutural. A medida, nas contas, tanto do Governo, como da Comissão, vale 125 milhões de euros.

O esforço que não é esforço

Nas contas do que foi negociado com Bruxelas para conseguir a aprovação do Orçamento entre ainda outros fatores que não são novas medidas ou agravamento de medidas antigas, mas que ainda assim ajudam a melhorar o défice orçamental.

O primeiro bloco diz respeito a dois fatores que ajudam a melhorar as contas deste ano: um aumento dos dividendos que o Banco de Portugal vai distribuir ao Estado este ano, em mais 40 milhões de euros, e um melhor saldo da Segurança Social que se esperava este ano, devido às contas do final do ano passado e do mês de janeiro, estimado em 175 milhões de euros. Estes 215 milhões de euros ajudam a baixar o esforço estrutural exigido para este ano.

Um segundo bloco será o debate das medidas que deveriam ser consideradas como estruturais ou temporárias para o cálculo do défice estrutural. Ao contrário das pretensões do Governo, grande parte das medidas que estão a ser revertidas não foi considerada como temporária. Aqui se inclui a reversão dos cortes salariais e a sobretaxa de IRS, apesar de durante a semana ter sido noticiado o contrário em relação a esta última.

No entanto, a transferência para o Fundo de Resolução Europeu, que o Estado recebeu dos bancos e devia ter transferido em 2015 mas não o fez, e a transferência de fundos comunitários recebidos o ano passado para a PPP subconcessão Transmontana, mas que não foi transferido como deveria ter acontecido em 2015. Tudo junto, são 294 milhões de euros que são considerados apenas nas contas de 2015, não afetando assim o saldo estrutural este ano.

Afinal quanto em medidas prometeu o Governo?

Vários números foram publicados na sexta-feira sobre o que Governo prometeu a Bruxelas. No total, segundo Bruxelas, o esforço adicional apresentado pelo Governo para reduzir o défice estrutural será de 1.125 milhões de euros, mas a Comissão só considera que 845 milhões de euros é que têm impacto estrutural, entre as medidas que são consideradas como temporárias e avaliação mais pessimista dos técnicos.

Na verdade, o Governo só apresentou 775 milhões de euros de novas medidas para reduzir o défice estrutural e a avaliação destas medidas pela comissão está muito longe da do Governo: o impacto estrutural destas medidas para Bruxelas é de apenas 495 milhões de euros.

Das contas saem a melhoria de saldo da Segurança Social e o aumento dos dividendos do Banco de Portugal (215 milhões de euros), o esquema de reavaliação de ativos das empresas (125 milhões de euros) que a Comissão não considera de estrutural, e o valor do “otimismo” do Governo em relação às medidas que apresenta (uma diferença de 155 milhões de euros).

No total, a diferença entre o que é pacote total das medidas apresentadas pelo Governo para reduzir o défice estrutural e o que a Comissão Europeia considera como medidas efetivas para reduzir o défice estrutural são 630 milhões de euros de diferença.

TSU sacrificada para receber luz verde de Bruxelas

Na quinta-feira à noite, apesar de várias notícias em sentido contrário durante a semana, as negociações continuavam, como confirmou o comissário europeu dos Assuntos Económicos.

Pierre Moscovici, de quem vários membros ligados ao Governo e a maioria que o suporta diziam já ter luz verde para o Orçamento, disse publicamente que só a apresentação de um esforço adicional de 135 milhões de euros à última hora permitiu dar luz verde ao orçamento. Sem isso, disse o comissário, o Orçamento do Estado seria chumbado na Comissão, que pediria então ao Governo para apresentar uma versão revista para cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, dando um prazo de três semanas para o fazer.

Isso mesmo é assumido na avaliação da Comissão Europeia, que diz que se a diferença entre o ajustamento exigido e o planeado pelo Governo fosse superior a 0,5 pontos percentuais, o Orçamento seria considerado como em incumprimento sério das regras e, assim, seria chumbado. Com esta diferença de última hora, o Orçamento é considerando como estando “apenas” em risco de incumprimento, e Bruxelas pede mais medidas para o colocar na rota desejada.

A diferença entre o chumbo e a aprovação à condição residiu no recuo do Governo à aplicação da redução da Taxa Social Única até 1,5 pontos percentuais dos trabalhadores com rendimentos até 600 euros.