“Não falava inglês, mas sempre me defendi”. Quem o diz é uma das protagonistas de Portugueses do Soho, documentário realizado por Ana Ventura Miranda, que esta quinta-feira se estreia no Centro Cultural de Belém (CCB) em Lisboa. O filme é o retrato da presença portuguesa no Soho, uma das zona de Manhattan. Antes de estar na moda e no roteiro de milhares de turistas, este lugar era o recanto de muitos emigrantes e o português era uma das línguas mais faladas.

Chegaram aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor e à procura do sonho americano. De serralheiros a lavadores de pratos, as memórias de cerca de 20 pessoas são recuperadas e reconstituídas para mostrar um pouco da herança de Portugal no Soho. Para antecipar o desaparecimento de portugueses desta zona, o momento para a realização do documentário revelou-se o mais apropriado. “A cada dia, os vestígios desaparecem. O objetivo deste documentário era que não se perdessem”, afirma Ana Ventura Miranda.

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A realizadora também vive em Nova Iorque, mais propriamente na Broome Street, num prédio cuja dona era portuguesa, Maria Oliveira — e que também entra no documentário, claro está. Desde 2006 que o percurso de Ana Ventura Miranda nunca mais se desligou dos Estados Unidos: em 2011 criou o Arte Institute para divulgação da arte e cultura portuguesa, além-fronteiras. “Portugueses do Soho” é mais um projeto do instituto, a par do NY Portuguese Short Film Festival.

Maria Oliveira era inicialmente pensada como a protagonista, a história girava apenas à sua volta, mas a perceção da realizadora alargou-se quando percebeu que na vizinhança haveria mais portugueses do que imaginava. A emigrante não chegou a ver o documentário, morreu antes da concretização do mesmo:

A Maria foi fundamental, porque a história dela era incrível. Ela era uma estrela, a forma de falar, a maneira de ser, parecia que tinha sido feita para a câmara”, relembra a realizadora.

Maria Oliveira aparece quase como um elemento unificador entre Portugal e os Estados Unidos: usa expressões como “Thank God” (Graças a Deus) e manda beijos com as mãos à equipa de realização, sempre com a mensagem de “Deus vos dê uma boa noite”. O sotaque nota-se em todas as palavras, em português e em inglês, como se pertencesse a dois lugares, sem menosprezar ou valorizar nenhum deles.

Se alguns dos intervenientes eram conhecidos de Ana Ventura Miranda, outros foram descobertos ao longo do tempo e por simples acasos. “Foram portugueses que fomos abordando na rua e quando os encontrámos, entrevistámo-los logo”, diz. A relação de confiança foi algo que a equipa do documentário construiu com os entrevistados e que hoje surte efeitos dentro da comunidade portuguesa do Soho: “Algumas das pessoas que na altura não quiseram falar veem ter connosco e dizem que tem pena de não ter falado”. O próximo passo é registar esses novos depoimentos e guardá-los sob a alçada do Arte Institute.

A estreia em Portugal surge depois da projeção do documentário em abril deste ano no MoMA (Museu de Arte Moderna) e ainda esta semana no cinema Babylon em Berlim. A receção tem sido “surpreendente”, conta a realizadora: os bilhetes no MoMA ficaram esgotados em dois dias e levaram à realização de uma segunda sessão no Anthology Film Archives. “Na exibição do Anthology estava uma senhora que desatou aos gritos durante a projecção. Depois percebemos que numa das fotos estava ela com 5 anos, num jantar com os pais”, acrescenta a Ana Ventura Miranda.

Portugueses do Soho cresceu e ganhou dimensão para lá do ecrã. O Arte Institute organiza a partir de agora um evento chamado “Portugal no Soho”, que “já conseguiu fechar uma rua no bairro de Nova Iorque e mostrar aos nova-iorquinos, o que afinal significa ser português nos Estados Unidos”, lembra a autora do documentário.

Sente-se no bairro um orgulho de mostrar que estamos ali e ainda continua a bandeira de Portugal à saída do metro na Spring Street”, afirma Ana Ventura Miranda.

Uma das novidades pode passar por “colocar um segundo nome (co-naming) numa rua no Soho, como de Portuguese Street”.

Para já, o documentário que conta com a narração e textos do escritor José Luís Peixoto e banda sonora de Rita Redshoes, estreia-se em Portugal quinta-feira, 23 de junho, às 21h. Os bilhetes podem ser adquiridos nas bilheteiras do CCB pelo preço de cinco euros.