No seu primeiro discurso como no presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia admitiu que teve de tomar três calmantes para “aguentar” a tensão da disputa, ocorrida esta quarta-feira. “Eu aguentei, mas tomei três calmantes”, brincou. A reação talvez tenha sido um pouco exagerada dado o resultado final: o deputado filiado ao DEM obteve 285 votos, na segunda volta da eleição, e venceu Rogério Rosso (PSD), com 170 votos.

A vitória de Maia, no entanto, foi obtida a partir da união de dois adversários históricos, o PT e o PSDB. Apesar de representarem duas orientações políticas diferentes no Congresso brasileiro, os partidos uniram-se informalmente na segunda volta da eleição para impedir a vitória de Rosso, considerado um aliado próximo de Eduardo Cunha e representante do “centrão”, bloco informal formado por 13 partidos de centro-direita, que não são grandes (como o PMDB, PT ou PSDB) ou pequenos. O grupo soma cerca de 217 de 514 parlamentares e representa uma importante força para garantir a governabilidade.

Diante deste cenário, quem é este deputado que conseguiu juntar PT e PSDB e travar o crescimento do “centrão”?

“Governar com simplicidade” para “navegar nessa tormenta”

The candidate to the presidency of Brazil's Lower House Rodrigo Maia, of the Democrats party (DEM), speaks before the plenary during the vote for the post, at the Congress in Brasilia on July 13, 2016. / AFP / ANDRESSA ANHOLETE (Photo credit should read ANDRESSA ANHOLETE/AFP/Getty Images)

Maia foi eleito com o apoio informal de partidos ligados a Dilma Rousseff (ANDRESSA ANHOLETE/AFP/Getty Images)

Rodrigo Maia está filiado ao DEM, partido de direita, que integra o governo de Michel Temer, no chamado grupo de partidos “governistas independentes” (DEM, PSDB, PSB e PPS). O deputado chegou a ser cogitado para ser o líder do governo interino na Casa Legislativa, cargo que acabou por ser ocupado por André Moura (PSC), aliado de Eduardo Cunha e pertencente ao “centrão”.

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Quais são os poderes de Rodrigo Maia como presidente da Câmara dos Deputados?

  • Caso Dilma Rousseff seja afastada definitivamente da Presidência do Brasil, Rodrigo Maia torna-se o primeiro na linha de sucessão no governo de Michel Temer. Ou seja, quando Temer viajar para fora do país ou caso seja afastado por algum motivo do cargo, Maia torna-se Presidente do Brasil;
  • Impeachment: é o presidente da Câmara dos Deputados quem decide autorizar a abertura de um processo de destituição contra o Presidente;
  • Cabe a Maia definir os assuntos que vão ser discutidos ou que vão a votos na Câmara dos Deputados, motivo pelo qual é importante que esteja em sintonia com o governo;
  • Maia administra um orçamento anual de cerca de 1,43 mil milhões de euros e conta com 3,2 mil funcionários na Câmara dos Deputados.

Após superar a primeira volta da disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, contra outros 13 candidatos, Maia conseguiu o apoio de alguns parlamentares da nova oposição, como o PT, PCdoB e PDT, para garantir a sua vitória, segundo relatam os media brasileiros. Como o voto foi secreto, não é possível comprovar o fato, mas a BBC Brasil noticia, por exemplo, que o PT orientou o seu grupo parlamentar a se abster. No resultado final, contudo, aparecem apenas cinco votos em branco. Segundo avança o site UOL, o PCdoB e o PDT, partidos da antiga base de Dilma Rousseff, também decidiram apoiar Maia na segunda volta como uma forma de se contrapor à influência de Eduardo Cunha e do “centrão”.

No seu discurso após o anúncio dos resultados finais, Maia agradeceu os apoios improváveis:

Quero agradecer ao PSDB […], ao PSB, ao PPS e ao DEM, meu partido. […] Aos partidos que me ajudaram no segundo turno. […] Vamos, a partir de amanhã, governar com simplicidade. […] Nós temos que pacificar esse plenário, temos que dialogar com a maioria, com a minoria”, afirmou.

Ainda durante a disputa, o deputado afirmou que as repúblicas “nunca se consolidam sem a força dos parlamentos”. “Quando a Câmara é atacada ou mal defendida, é a cada um dos nossos mandatos que atacam. Sei que estou pronto para navegar nessa tormenta, que passará. A Câmara, o Congresso e o Brasil são maiores que qualquer crise”, defendeu.

De acordo com o regimento interno da Câmara dos Deputados, Maia vai cumprir o chamado “mandato-tampão” até ao dia 31 de janeiro de 2017, e terminar a presidência iniciada por Eduardo Cunha, a 1 de fevereiro de 2015. Isto acontece porque um mandato de deputado no Brasil dura quatro anos e o de presidente da Câmara dos Deputados, dois anos. Ou seja, durante um ciclo legislativo no Brasil, há eleições bienais para a presidência da Casa Legislativa.

“Ofereço a dimensão da experiência que acumulei”

Brazilian acting President Michel Temer (L) and the new president of Lower House of teh Brazilian Congresss, Rodrigo Maia, shake hands during a meeting at Planalto Palace in Brasilia, on July 14, 2016. Maia was elected to replace Eduardo Cunha who resigned due to allegations of corruption. / AFP / EVARISTO SA (Photo credit should read EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Michel Temer e Rodrigo Maia, esta quinta-feira.

Aos 46 anos, Rodrigo Maia está no seu quinto mandato consecutivo na Câmara dos Deputados. Nasceu no Chile e se mudou para o Brasil aos três anos com a família. O seu pai, Cesar Maia, é um dos barões da política brasileira: foi prefeito do Rio de Janeiro por três mandatos. Durante a disputa, lembrou que esteve na Câmara dos Deputados ainda adolescente, a acompanhá-lo durante uma sessão parlamentar. “Cheguei com 15, 16 anos quando meu pai era constituinte. Ficava ali ouvindo os discursos de Francisco Dornelles, César Maia, José Serra, José Genoino. Meu pai dizia: senta lá atrás e fica só aprendendo”, contou, citado pela BBC Brasil.

Antes de entrar na política, trabalhou em bancos e foi eleito deputado pela primeira vez em 1998 e já foi vice-líder (2003-2005), líder (2005-2007) e presidente do PFL que, em 2007, tornou-se DEM, sob a sua presidência.

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E quais são os privilégios de ser presidente da Casa Legislativa?

  • Residência oficial com despesas pagas;
  • Carro oficial, com direito a dois motoristas;
  • Equipa de segurança;
  • Direito a voos em jato da Força Área Brasileira para viagens a trabalho e para cidade de origem;
  • Gabinete exclusivo na Câmara dos Deputados;
  • Nomeação de 47 funcionários, 22 a mais do que os outros deputados.

Durante a sua atividade parlamentar, liderou a oposição ao governo do PT no Congresso durante o caso “mensalão”, que investigou a compra de votos em troca de apoio no Congresso, além de ter integrado algumas outras comissões parlamentares responsáveis por investigar casos de corrupção.

Maia não é alvo da justiça brasileira, mas recebeu uma doação legal de cerca de 27,8 mil euros da empresa JBS, envolvida na Operação Lava Jato, segundo conta o jornal El País Brasil. A revista brasileira Época afirmou que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, teria pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para investigar a sua possível ligação com Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro, réus da operação.

Em 2015, foi presidente e relator da proposta de reforma política e atualmente é membro de comissões relacionadas com temas de economia e finanças. Em 2012, sofreu a sua mais dura derrota política, quando tentou se eleger para a Prefeitura do Rio de Janeiro, mas terminou com apenas 3% dos votos. “Ofereço a dimensão da experiência que acumulei em quase 20 anos aqui dentro e a correção pela qual pautei minha vida pública”, disse, no seu discurso já como presidente eleito.

Impeachment de Dilma, governo Temer e relação com Cunha

Durante a votação da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia votou a favor do pedido. “Pela minha família, mas principalmente pelo meu pai, que foi, quando prefeito do Rio [de Janeiro], César Maia, atropelado pelo governo do PT. O PT rasga a Constituição no Rio e rasga a Constituição no Rio. O meu voto é sim”, justificou.

https://www.youtube.com/watch?v=xj7T1Vc6nU0

Já em relação ao pedido de abertura de impeachment de Michel Temer, ainda não apreciado pelo Congresso, Maia disse ao site UOL que não pretende dar seguimento ao processo.

Mesmo que não fosse o candidato informalmente apoiado por Michel Temer, a eleição de Maia favorece o seu governo, pois o deputado está alinhado com o programa de governo do Presidente interino. Segundo relata a revista Carta Capital, o deputado disse que vai dar prioridade, como presidente da Casa Legislativa, a diversos temas propostos pelo Palácio do Planalto, incluindo os mais “impopulares”. “Não estamos aqui só para receber aplausos”, disse.

Michel Temer não demorou para parabenizar Maia pela vitória. Na sua conta no Twitter, desejou “sucesso na gestão à frente da Câmara dos Deputados”.

Durante a corrida eleitoral, Temer procurou manter-se neutro na disputa, para evitar cometer o mesmo erro de Dilma Rousseff, cuja primeira derrota política, no seu segundo mandato como Presidente, aconteceu ao ver derrotado o seu candidato por Eduardo Cunha e o “centrão”, na eleição para a presidência da casa em 2015. Maia, na altura, votou a favor de Cunha.

Questionado sobre o processo de cassação do ex-presidente do Congresso, o deputado disse que o desfecho do processo deve ocorrer “dentro das regras da Casa” e quando houver “quórum adequado”. “Vamos colocar em votação quando [o processo] estiver pronto para tal. Não estou aqui nem para ajudar, nem para prejudicar o Eduardo”, assegurou.