Não há hoje superprodução de Hollywood que se preze, muito em particular as de super-heróis, que não tenha como clímax a destruição parcial de uma cidade, seja ela ficcional, como Metropolis ou Gotham, seja real, como Nova Iorque. Apesar de “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los”, de David Yates, se basear num livro de J.K. Rowling, do argumento ter sido escrito (em estreia) pela própria, e em vez de super-heróis a história tenha magia e feiticeiros, o filme também contempla o cliché do final com destruição urbana. Como que para mostrar que o que Super-Homem, os Vingadores ou Batman podem fazer, também as personagens do universo de Harry Potter conseguem. A única diferença é que estas consertam depois de partirem.

[Veja o “trailer” de “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los”]

A fita é um “spinoff” das aventuras do jovem feiticeiro de Hogwarts, baseada num livro de estudo existente no universo deste, um compêndio das criaturas mágicas que o povoam. A história passa-se 70 anos antes de Potter entrar para Hogwarts e marca o início de uma nova série de cinco filmes. Parece que, esgotados os livros de Harry Potter, a Warner Bros não queria deixar escapar a gorda galinha de ovos de ouro que é J.K. Rowling, e conseguiu convencê-la, e à equipa responsável pelas anteriores adaptações ao cinema, a criar uma nova “franchise”, garantida para dar pingues lucros durante os próximos anos. No papel como no cinema, Rowling tem um toque mágico que Hollywood muito preza: o de Midas.

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[Veja a entrevista com Eddie Redmayne]

O francamente irritante Eddie Redmayne interpreta Newt Scamander, um “magizoólogo” que chega a Nova Iorque nos anos 20 com a sua mala mágica e repleta dos animais fantásticos do título, mais os respetivos “habitats”. Só que alguns fogem e provocam confusões numa cidade que já está a ser afetada por uma misteriosa e invisível força maligna, ameaçando revelar a existência do mundo dos feiticeiros ao mundo “normal”. Scamander vê-se detido pela agente Tina Goldstein (Katherine Waterston), que trabalha para as forças mágicas americanas, envolvendo na sua situação um “civil”, Jacob Kowalski (o pândego Dan Fogler), que vai ao banco pedir um empréstimo para abrir uma padaria e acaba mordido por uma das criaturas que ele transporta na mala. O zeloso Percival Graves (Colin Farrell), qual J. Edgar Hoover dos feiticeiros, investiga a situação.

[Veja a entrevista com J.K. Rowling]

A caracterização do excêntrico e reservado Scamander como um cruzamento de Dr. Doolitle e de conservacionista de criaturas fantásticas (sendo várias delas raras e estando ameaçadas de extinção, como as do nosso mundo) tem a sua piada; e algumas das ditas, com nomes tão patuscos como impronunciáveis, estão bem desarrincadas. No que ao resto respeita, “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los” tem um óbvio défice de inventividade quando comparado com os “Harry Potter” (cujo lado “negro” também procura manter). A história é muito atarefada, um bocado desarrumada e muito previsível, tal como o são quer a identidade de quem alberga em si a força destruidora maligna, quer a do vilão e de quem se esconde por trás dele — uma personagem que nesta nova “franchise” vai ser para Scamander o que Voldemort foi para Harry Potter. (Até J.K. Rowling faz reciclagem narrativa.)

[Veja a entrevista com David Yates]

O filme está carregadinho de efeitos especiais e David Yates, já responsável por quatro dos filmes da série “Harry Potter”, continua aqui a ser um diligente e apagado gestor dessas aparatosas feitiçarias digitais. Que só por si, e mesmo dando vida a um inflacionado e estrambólico bestiário de fantasia, não chegam para tirar “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los” de uma mediana sobredimensionada e espalhafatosa. A julgar por este filme de estreia sobre o mundo pré-Harry Potter, parece que será essa a norma dos próximos quatro. Se não é daqueles fãs vitalícios e babados de J.K. Rowling, está avisado.

texto corrigido às 12h15, numa das referências ao ator Eddie Redmayne, onde estava escrito “Harry” Redmanyne