Ícaro não deu ouvidos ao pai, Dédalo. Depois de os dois escaparem da ilha onde o rei Minos, como castigo, os havia encerrado para sempre, usando-se para tal de asas que o próprio Dédalo construira com penas de ave e cera, Ícaro continuou a voar à revelia do pai, cada vez mais alto no céu, cada vez mais próximo do sol. E foi precisamente o sol que lhe haveria de derreter a cera das asas, tombando Ícaro sobre o mar Egeu e afogando-se nele. Isto na mitologia grega.

Mas em Santa Maria da Feira também há um Ícaro, Ícaro da Silva, defesa-central dos da casa, que não esvoaça ou tão pouco utilizará asas de cera, mas tal como o Ícaro da mitologia, também Ícaro da Silva não terá ouvido (ele e o comparsa do centro da defesa, Flávio) o treinador José Mota, qual Dédalo, quando este lhes pediu que subissem a defesa do Feirense com cautela, não demais, não para tão próximo “do sol” — que é como quem diz: para não serem os dois apanhados em contra-pé por André Silva ou Jota.

Mas Ícaro subiu.

Pri, rola a bola. Priii, penálti para o FC Porto! Ainda mal o jogo começou (3′) em Santa Maria da Feira, ainda nem à baliza se havia rematado nele, mas o árbitro Luís Ferreira não teve dúvida e logo apitou. Tudo começou no meio-campo defensivo do FC Porto e nos pés de Óliver, que viu, lá longe, André Silva a desmarcar-se nas costas da defesa (adiantada, claro) do Feirense. Assim viu, assim lá colocou a bola rendondinha, já dentro da área. André recebeu-a com o peito peito, ajeitou-a para a frente, preparava-se para rematar, mas a camisola foi-lhe puxada nas costas por Ícaro e caiu. Ícaro Silva, o faltoso Ícaro, é expulso.

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André Silva estava isolado dentro da área e preparava-se para rematar. Sim, é verdade que acabou (é o International Football Association Board quem o diz) a lei do “castigo triplo”, em que era assinalado penálti, o jogador expulso e suspenso por um jogo. Agora, e atualizadas que estão as regras, cabe ao árbitro decidir se o jogador que fez a falta tinha ou não intenção de jogar a bola de uma “forma limpa”. Se o jogador “obstruir, agarrar ou empurrar”, é sempre expulso. E Ícaro SÓ agarrou.

No penálti, o guarda-redes do Feirense, Vaná, até acertou no lado: o direito. Mas o remate de André Silva foi forte e colocado. Ele que volta aos golos no campeonato: ficou em branco nas últimas quatro jornadas.

O Feirense, mesmo com menos um, quis reagir. Aos 17′, o livre era ainda longe da baliza de Casillas, descaído para a esquerda, a pedir um cruzamento longo, para o segundo poste, e um desvio na área. Pois bem, foi tudo isso que Barge não fez ao bater: a bola saiu curta, fraca, enrolada e meia altura, e a defesa do FC Porto livrou-se dela logo no primeiro toque. Mas o toque fez a bola seguir para a entrada da área. E é lá que surge Tiago Silva, a encher-se de força e de fé, acertando com o remate em cheio no poste esquerdo do FC Porto.

Pouco depois, aos 32′, segundo remate do FC Porto, segundo golo. É de Brahimi. Mas tudo começou num lançamento lateral à direita de Maxi (um lançamento “à Maxi”, longo e para o primeiro poste, à procura de um desvio), a bola seguiu para a área, Danilo não a desviou, o central Flávio também não, esta seguiu para o poste contrário, Brahimi escapou-se a marcação de Jean Sony, recebeu a bola no pé direito, puxou-a para a canhota e rematou cruzado. Sem hipótese de defesa para o guarda-redes Vaná — que protestou muito a seguir, mas certamente mais com as falhas do sua defesa do que com uma hipotética falta no “empurra-empurra” (do costume e de parte a parte) dentro da área.

Viria o intervalo. E tal como na primeira parte, volta cedo (50′) aos golos o FC Porto após o recomeço. Brahimi bateu um canto à esquerda, bateu-o na direção do primeiro poste, Felipe saltou mais alto que dois defesas (Sony e Flávio) do Feirense, desviou a bola para o poste contrário, Jota não conseguiu fazer o desvio na pequena área e “nas barbas” do guarda-redes Vaná, até se ficou com a ideia que a bola entraria de qualquer forma, mas Marcano foi lá confirmar, pelo sim, pelo não, com um ligeiro toque de cabeça em cima da linha de golo.

A defesa do Feirense, e não há como dizê-lo de outro modo, estava de candeias às avessas. Não sabe a quem há-de fazer a marcação — e quando a faz, faz mal. Aos 56′, caiu quase toda em cima de André Silva à esquerda, André seguiu para o centro, driblando quem lhe surgia pela frente, desmarcou Jota no flanco contrário — e Jota, estando toda a defesa com André, viu-se sozinho com a bola –, este seguiu para a área e rematou forte e na direção do poste direito. Vaná esticou-se todo e desviou para canto. Isto vai acabar mal…

E acabou mesmo. Brahimi desmarcou Alex Telles à esquerda, um passe “a queimar” para a linha de fundo, Telles cruzou em esforço, um “balão” para o segundo poste, e é lá que surge André Silva a saltar com Ricardo Dias, saltou mais alto e desviou (67′) para fora do alcance de Vaná. É a terceira vez (conseguiu-o diante de Boavista e Arouca) que André Silva faz um bis no campeonato esta época.

Maldito ferro! Luís Aurélio cruza à direita, cruza para o segundo do poste, Peter Etebo amortece a bola para a pequena área com a nuca e Higor Platiny (89′) desviou, frente a frente com Casillas, para a barra do FC Porto. Era a segunda vez que o ferro negava um golo ao Feirense. E os da casa até se podem queixar do azar. E de Ícaro, claro. É que quem tem asas de cera, não voa perto do sol.