O governo não pode ativar o Artigo 50 sem um ato do parlamento“, anunciou esta terça-feira o presidente do Supremo Tribunal britânico, uma decisão que já era esperada mas que introduz areia na engrenagem do processo de saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit. Que consequências pode ter esta decisão? Qual é a probabilidade de os trabalhos se atrasarem? E existe algum risco de que o processo possa descarrilar e quebrar-se, isto é, um Brexit transformado em Breakxit?

A decisão do Supremo Tribunal significa que a saída da UE será votada tanto na Câmara dos Comuns como na Câmara dos Lordes.

Ouvido pela SkyNews, Nadhim Zahawi, deputado do partido conservador de Theresa May, lembrou que já foi passada — por “uma maioria enorme” — uma moção na Câmara dos Comuns, antes do Natal, sobre a ativação do Artigo 50. Para o deputado, que diz que o governo irá apresentar o projeto de lei em breve, essa moção na Câmara dos Comuns e o respetivo resultado tornam “pouco provável que os Lordes do Partido Trabalhista bloqueiem a ativação do Artigo 50”. Para este responsável, a decisão de hoje não tem qualquer relevância e bastará ao governo apresentar um projeto de lei conciso para que o parlamento vote favoravelmente.

O problema é que, segundo o The Guardian, Theresa May está a ser aconselhada por juristas a não optar por responder ao chumbo do tribunal com uma proposta legislativa simples, algo que poderia facilitar a aprovação parlamentar — quanto mais detalhada for a legislação, maior será o risco de uma votação desfavorável. Mas May está a ser aconselhada a não ir por essa via, porque a estratégia poderá revelar-se contraproducente mais à frente.

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Uma certeza para as próximas semanas é que haverá uma forte oposição por parte dos deputados dos Nacionalistas Escoceses, os Liberais Democratas (LibDems) e a Irlanda do Norte. Segundo James Knightley, economista do holandês ING, “também poderá haver uma oposição por parte de alguns deputados trabalhistas insatisfeitos com a liderança (de Jeremy Corbyn) e uma mão cheia de deputados conservadores também podem fazer ruído”.

Como irá Theresa May redigir a proposta legislativa?

Se o processo vai ou não atrasar vai depender, em grande parte, da forma como Theresa May redigir o ato parlamentar. Em teoria, quanto mais vago for o documento menor probabilidade existe de que existam pedidos de emendas por parte de deputados, o que poderia atrasar os trabalhos. É possível, em tese, apresentar um projeto-lei de manhã e concluir a aprovação à tarde, mas isso só aconteceu no passado quando houve situações de emergência ou quando já existe, à partida, um entendimento alargado entre os partidos sobre os contornos exatos da legislação.

Quando a questão é um pouco mais complexa, é difícil acreditar que isso pode acontecer — é previsível que este processo leve, no mínimo, algumas semanas. Ao longo das várias fases que estes processos atravessam, há uma grande probabilidade de existirem pedidos de emendas por parte daqueles que discordam do Brexit. E só teremos lei quando tanto os deputados da Câmara dos Comuns como a Câmara dos Lordes chegarem a acordo sobre a formulação exata da lei, palavra por palavra.

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Parece claro que “a situação é um pouco mais complexa na Câmara dos Lordes” do que na Câmara dos Comuns. “Ainda assim, parece existir, mesmo na Câmara dos Lordes, um sentimento de que o resultado do referendo tem de ser respeitado”, afirma o especialista do ING, que acredita que não existe grande risco de o processo fracassar ou, sequer, falhar o prazo definido por Theresa May — a ativação do Artigo 50 até final de março. Essa é a ambição do governo, que reagiu rapidamente à decisão do Supremo Tribunal dizendo que irá respeitar a decisão mas confiando que isto não significará um atraso no processo.

Trabalhistas de Jeremy Corbyn não irão “frustrar” o processo

É muito pequeno o risco de que esta decisão leve a um Breakxit, concordam os analistas que já reagiram à decisão. É muito improvável que o parlamento vote contra a intenção manifestada pelos eleitores a 23 de junho, num referendo que, recorde-se, foi convocado pelo mesmo parlamento que existe hoje (ainda que fosse David Cameron, na altura, o primeiro-ministro).

A maior parte dos deputados conservadores apoia a saída da UE e os Trabalhistas, liderados por Jeremy Corbyn, terão liberdade de voto mas o líder já disse que o seu partido não irá “frustrar” este processo.

Jeremy Corbyn diz que o partido que lidera irá apresentar adendas ao projeto para “assegurar que o Brexit transforme o Reino Unido num paraíso fiscal”. O Partido Trabalhista vai “exigir um plano por parte do Governo, responsabilização por parte dos Conservadores em relação ao Parlamento, e um voto com significado sobre o acordo final”, garante Jeremy Corbyn.

A intenção de May é “meter os papéis para o divórcio” até final de março, notificando o Conselho Europeu acerca da intenção britânica de sair da UE. No calendário de Theresa May, deverá ser possível definir os termos concretos da saída até final de setembro de 2018, após negociação com a equipa liderada por Michel Barnier (que liderará as negociações pelo lado europeu). Será por essa altura, quando se cumprirem os dois anos após a ativação do Artigo 50, que o Parlamento britânico irá votar o plano final. No plano de May, o Brexit deverá ser ratificado formalmente pelos Estados-membros até maio de 2019.