“Uma Vida de Cão”

O americano Todd Solondz é um misantropo com um sentido de humor negríssimo e continua a explorar a visão tragicómica e totalmente pessimista que tem do seu semelhante, e da vida em geral, em “Vida de Cão”, usando para o efeito uma cadela “salsicha” que vai passando de mão em mão ao longo dos quatro episódios que formam o filme, qual bastão vivo e inocente de uma estafeta existencial que se salda sempre em derrota para os corredores. Apenas o simpático canídeo, um rapazinho em remissão de um cancro e um casal que sofre de síndrome de Down escapam ao olhar impassível e implacavelmente cáustico do autor de “Welcome to the Dollhouse” e “Felicidade”.

As restantes personagens, qualquer que seja a sua idade, condição social ou atividade, patinham na estupidez, na boçalidade, no desatino, na infelicidade, na recriminação, na frustração e no desespero, sem haver salvação à vista, já que Solondz não é realizador que alinhe na demagogia do sentimentalismo, em otimismos postiços ou em redenções à última da hora. (O final da fita é desaconselhado a espíritos fracos e a amigos dos animais com estômagos frágeis). Com Greta Gerwig, Julie Delpy, Ellen Burstyn e Danny DeVito, este num argumentista e professor de escrita cinematográfica desencantado, que Todd Solondz utiliza para zupar forte e feio no meio do cinema.

“Os Chapéus de Chuva de Cherburgo”/”As Donzelas de Rochefort”

Reposição, em cópias digitais restauradas, dos dois mais marcantes e deslumbrantes musicais de Jacques Demy, realizados respetivamente em 1964 e 1967, ambos com Catherine Deneuve e contando com a colaboração fundamental de Michel Legrand na música e de Bernard Evein na direção artística. Vencedor do Festival de Cannes, “Os Chapéus de Chuva de Cherburgo” é o primeiro musical integralmente cantado da história do cinema, bem como (embora só aparentemente) o mais “realista” e tristonho, introduzindo mesmo no enredo o tema da guerra da Argélia, que ameaça separar os dois apaixonados (interpretados por Deneuve e Nino Castelnuovo).

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Mais fantasioso, exuberante e frívolo, e logo menos datado que “Os Chapéus de Chuva de Cherburgo”, e também mais próximo dos musicais da era de ouro de Hollywood, até mesmo pela presença de Gene Kelly e George Chakiris, “As Donzelas de Rochefort” tem Catherine Deneuve e Françoise Dorléac (que morreu num desastre de automóvel pouco tempo depois da rodagem), irmãs na vida real, interpretando duas irmãs que cantam e dançam e andam à procura do amor e da felicidade. Seria interessante repor os dois filmes finais de Demy, os muito menos vistos e lembrados “Um Quarto na Cidade” (1982) e “Trois Places pour le 26” (1988), que comungam do mesmo espírito deste fabuloso díptico dos anos 60.

https://youtu.be/poBN4_0UieA

“A Torre Negra”

Até agora, ninguém tinha conseguido transpor para imagens aquela que Stephen King considera ser a sua “obra máxima”: a saga “A Torre Negra”, que ele começou a escrever em 1982 e é composta por oito livros, o último dos quais publicado em 2012, e a que se junta uma ficção curta de 1998, num total de mais de quatro mil páginas. O complexo enredo desta saga passa-se num mundo fantástico paralelo ao nosso, o Mundo Médio, onde coabitam elementos da matéria arturiana, do “western”, do terror sobrenatural, da fantasia e da ficção científica, e o seu herói é Roland Deschain, conhecido como O Pistoleiro, último membro de uma ordem semelhante às de cavalaria, mas que é figurado como um “cowboy” e que combate as forças malignas deste mundo.

Dez anos depois de Hollywood ter começado a tentar adaptar “A Torre Negra”, sempre sem sucesso, surge finalmente este filme do dinamarquês Nicolaj Arcel, que dá o pontapé de saída de uma “franchise” que se vai dividir entre o cinema e a televisão e que vai buscar elementos e personagens a vários dos livros da série de King. Idris Elba interpreta o Pistoleiro, Tom Taylor é o jovem Jake, que, no nosso mundo, tem visões do Mundo Médio e acaba por viajar para ele, e Matthew McConaughey personifica o Homem de Negro, um poderoso feiticeiro que domina a magia e a tecnologia. “A Torre Negra” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.