Nunca voltes ao lugar onde foste feliz, dizem por aí. O conselho, claramente duvidoso, não deve ter chegado aos ouvidos de Gavin Rossdale e dos seus companheiros de banda – e ainda bem. Senão, como é que teríamos os Bush de volta ao coração de Lisboa e ao palco do Coliseu para viver mais uma noite de rock e adrenalina, entre ‘Chemicals’, ‘Glycerine’ ou ‘Black and White Rainbows’? É certo que foi preciso esperar quase cinco anos (sim, pareceu uma eternidade…), mas o reencontro entre a banda britânica e os fãs foi de novo tão emotivo que compensou a espera.

O regresso, na noite desta última quarta-feira, foi também uma despedida: os Bush fecharam em Lisboa a digressão europeia que começaram em Londres a 21 de setembro e que os levou por 16 cidades, como Glasgow, Colónia, Antuérpia, Oslo, Viena ou Munique. “Há demasiado tempo que não vos vemos e mal podemos esperar por tocar para vocês”, lia-se na página de Facebook da banda. Vocês – nós, os portugueses – também acusaram a saudade e encheram a sala do Coliseu dos Recreios para uma noite que mais pareceu uma viagem numa máquina do tempo.

Uma viagem tão distante, mas mesmo tão distante, que o concerto de quase duas horas começou, a rasgar, com a primeira música de todas. Sim, a primeira de todas as músicas – ‘Everything Zen‘ – do primeiro de sete álbuns – ‘Sixteen Stone’ – dos primeiros tempos da banda britânica – algures entre 1992 (quando começaram) e 1994 (quando gravaram esse primeiro disco). Sim, nós também mal podíamos esperar para vos ver e ouvir tocar para nós.

O mote estava assim dado para uma noite efervescente, que foi crescendo mais ao ritmo de êxitos antigos do que das músicas do álbum mais recente, “Black and White Rainbows”, lançado em Março. De tal forma que, dos 16 temas deste último trabalho de estúdio, só tocaram três: ‘Nurse’ e ‘Peace-S’ e ‘This is War’. De fora ficaram outros temas mais “orelhudos”, como ‘Mad Love’, ‘Ray of Light’ ou ‘Lost in You’ – só por isso não levas a quinta estrela, Gavin, mas é mesmo só por isso. Uma opção talvez justificada pelo tom mais soft e menos arriscado deste novo álbum (e que os mais críticos não pouparam) e que acabou por justificar um alinhamento de concerto mais familiar.

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Os fãs, mesmo os que esperavam ouvir mais músicas novas, não reclamaram por este regresso às origens. Sentiram-se, aliás, recompensados. Primeiro, pela forma como a banda os levou pela mão numa viagem de volta às músicas que ainda os fazem felizes. Depois, pela euforia de Gavin Rossdale que várias vezes mergulhou multidão adentro, perdendo-se entre os milhentos braços e gritos dos fãs. Aliás, esqueçam essas modernices dos palcos de 360 graus: ele próprio deu a volta ao Coliseu, percorreu as galerias todas, subiu e desceu bancadas, cantou com desconhecidos, correu, emocionou-se com a “a beautiful people”. Sim, Gavin, ainda nos lembramos do que fizeste no último concerto em Lisboa, em setembro de 2012, e das vezes em que invadiste as bancadas e trocaste o microfone por uns goles de cerveja, em que simulaste sexo com a guitarra, em que levaste um coliseu inteiro à loucura.

aquele momento em que Gavin Rossdale não resiste e se perde no meio dos fãs. uma festa. priceless.#bush #gavinrossdale

Posted by Helena Coelho on Wednesday, October 11, 2017

Braços no ar, vozes em uníssono, muitas palmas entre os vídeos e as selfies: o público nunca se deixou ficar para trás durante todo o concerto. Nem mesmo quando Gavin parou por um instante para deixar a mensagem política da noite. “Está um tempo de doidos. O mundo está louco!” E o que podemos fazer? “Temos de nos unir, está uma guerra em curso! Temos de nos livrar da merda!” O mote certo para a canção seguinte: ‘This is War’, canta um acelerado Gavin, agora sem a companhia da guitarra.

Não era só dos concertos que os fãs de Bush sentiam falta. A banda britânica não editava um álbum desde 2014 e a expetativa era grande sobre o que iria sair do estúdio no recente ‘Black and White Rainbows’ depois de ‘Man on the Run’. Pelo meio, muito mudou na vida da banda e do próprio Gavin Rossdale. Divorciou-se no último ano da também cantora Gwen Stefani, com quem tem três filhos, e perdeu este ano dois grandes amigos: Chris Cornell, dos Soundgarden, e Chester Bennington, dos Linkin Park.

Salva-o a música, confessa. “De dia, ser músico é depressivo. À noite, é libertador”, explicou numa entrevista recente. Uma espécie de libertação que vive com a sua “família” – os membros da banda Chris Traynor, Corey Britz e Robin Goodridge – e que partilhou com os milhares que estiveram com eles, no Coliseu, esta quarta-feira. Uma partilha que, por uma noite, os levou por músicas que marcaram os últimos 25 anos da banda e onde houve até espaço para uma versão da música ‘The One I Love’, dos R.E.M.. E alguns êxitos como ‘Swallowed’ ou mesmo ‘The Chemicals between us‘, um verdadeiro marco do final dos anos 90. Yes, ‘I want you to remember. A love so full it could send us all ways’, cantámos todos.

já lá iam cinco anos desde o último encontro em lisboa, no mesmo coliseu. a química continua ????#bush

Posted by Helena Coelho on Wednesday, October 11, 2017

Perto da despedida, e ainda antes de ser brindado por fãs com uma bandeira de Portugal onde alguém pintou ‘Bush’, Gavin Rossdale e os seus companheiros de palco não se fizeram de difíceis para um ‘encore’: foi como ficar mais um bocadinho com os amigos para beber mais um copo. Acabaram por ser quatro. Podiam ter sido muitos mais. Deu para os fãs matarem as saudades dos Bush, só não chegou para matar a sede. Mas nunca chega, não é assim, Gavin?