No ano de 2018, eles gostavam “de conseguir fazer teatro” — mas não está fácil. É o que diz um grupo alargado de atores portugueses (entre os quais estão, por exemplo, Albano Jerónimo, Beatriz Batarda, Carla Maciel, Inês Castel Branco, José Raposo, Jani Zhao, Manuel Wiborg, Rita Cabaço, Sofia Aparício, Margarida Vila Nova e Vera Kolodzig), que subscreveu um comunicado crítico dos atrasos do Governo na concessão de apoios públicos às artes.

Somos atores, fazemos teatro, rádio, locuções, televisão, cinema. Muitos de nós somos licenciados em Escolas Superiores. E fazemos teatro em condições cada vez mais precárias: sem contrato de trabalho, a recibo verde, sem previsão, muitos de nós com vencimentos em atraso. Mesmo quando nos apresentamos em teatros de grande reputação”, referem os atores, num comunicado subscrito online por mais de duas centenas de pessoas.

Estes atores referem que a formação de uma Secretaria de Estado de Cultura, no Governo de António Costa, prometia mudanças (“Aguardámos com esperança”) mas a resposta ficou muito aquém das expectativas: “Aguardámos, na nossa precariedade, que o ano de 2017 servisse para uma remodelação efectiva dos apoios às artes. Continuámos em 2017 a mesma situação de miséria que se instalou no quadriénio anterior. E nada sabemos sobre 2018, 2019, a não ser que não temos vencimento ‘por agora’.”

Tendo as candidaturas aos apoios públicos da DGArtes (que alocarão 64,5 milhões de euros aos artistas) terminado a 6 de dezembro de 2017, ainda não houve decisões quanto aos projetos apoiados pelo Ministério da Cultura para os anos de 2018 a 2021. Entretanto, o primeiro ano abrangido pelo concurso já começou há quase três meses e, após este primeiro trimestre, os candidatos ainda não sabem se terão apoios para trabalhar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Deparámo-nos com atrasos incompreensíveis na avaliação, e consequentemente, na disponibilização das verbas da DGArtes. Continuamos dependentes de concursos que atrofiam estruturas e que impedem a contratação de profissionais e o assegurar de remunerações dignas pelo trabalho dos seus artistas. Passados três meses do início deste ano, (…) continuamos sem conhecer os resultados da avaliação do júri

“Como sobrevivem estruturas e artistas nestes meses? Como se asseguram produções e compromissos com terceiros? De que forma podemos nós assumir compromissos profissionais com entidades que não nos dão garantias?”, perguntam os atores que subscreveram o manifesto de indignação, concluindo: “Somos actores e a maior parte de nós passará o ano de 2018 sem trabalho, sem saber se as futuras produções para as quais fomos convocados se vão manter, com salários em atraso constante ou com remunerações muito baixas.”

Em dezembro, já com os prazos de envio de candidaturas terminado, o ex-administrador da Culturgest, Miguel Lobo Antunes, publicou um artigo de opinião no jornal Público em que defendia que o regime de apoio do Estado às artes é “o contrário do que deveria ser, inutilmente complicado e obscuro”, criticando “a pretensão do Estado em intervir na criação estipulando-lhe utilidades e objetivos ainda por cima a anos de vista”.

O Estado deve apoiar as artes e os artistas. Deve fazê-lo de forma simples e eficaz e respeitando as pessoas, tratando-as bem. Os concursos devem ser abertos com periocidade certa, independentemente do governo em exercício, e com antecedência devida em relação à concretização dos projetos. Há muito tempo que não é assim”, afirmava ainda o cronista.

Concluía assim Miguel Lobo Antunes: “Porque é que o Estado deve apoiar a criação artística e como o deve fazer é tema complexo e difícil. As soluções dadas por este Ministério da Cultura afiguram-se-me, em grande parte, más. Todavia, posso estar errado”.

À Agência Lusa, o encenador Jorge Silva Melo, que dirige a companhia Artistas Unidos, fez na passada semana um ponto de situação, também ele muito crítico: “Não temos dinheiro, não sabemos quando haverá, nem quanto será, receamos surpresas feias, não queremos acumular dívidas, não temos orçamento para este ano de 2018 (…) Uma temporada prepara-se pelo menos com dois anos de antecedência, foi essa a vantagem dos apoios ‘sustentados quadrienais’, que foram bruscamente interrompidos em 2016″