Eram 18h46, ainda o terceiro dia do Portugal Fashion ia a meio, quando a tempestade Hugo atacou com força a megaestrutura montada pela organização no Parque da Cidade do Porto. A chuva caiu com uma intensidade tal que, por momentos, os trabalhos foram suspendidos para se prestar atenção ao temporal lá de fora e comentar a ventania: a casa bem que abanou, mas nada foi abaixo e a moda falou mais alto. Quem também chegaria em força, ainda que umas horas mais tarde, era o próprio Hugo Costa, designer que nos presenteou com uma coleção que foi buscar o conceito do punk, mas não necessariamente a sua estética, para trazer à passerelle peças masculinas que nenhum vendaval conseguiria destronar.

“A coleção tem um carácter reacionário”, explica o estilista ao Observador, momentos antes do desfile começar. À sua volta, modelos masculinos começam a vestir-se e, num ápice, os bastidores ficam caóticos. São encontrões atrás de encontrões, mas a conversa continua. “A nossa ideia foi imaginar um adolescente a pegar numa peça do pai — num fato ou numas calças clássicas — e costumizá-la, transformá-la em algo seu”, continua. Vai daí que a coleção (A)Way of Punk vai buscar muitos elementos do vestuário clássico para, depois, questioná-los. Há de tudo um pouco: camisas cortadas pela cintura, blasers descontruídos e bainhas mal acabadas, “para ficarem a desfiar”. Os materiais clássicos convivem com aqueles mais tecnológicos, ainda que os primeiros estejam em destaque e na forma de fazendas, lãs e algodão. A combinação invulgar de cores e de coordenados justapostos de forma não convencional ajuda a passar a mensagem da auto-afirmação. Quase como uma tempestade, esta foi a forma que Hugo Costa encontrou para reagir contra a conformidade, ele que já antes apresentou a coleção de outono-invero 2018-2019 em Paris. Mas desta vez, garante, o styling foi diferente, de maneira a provar que as peças “podem existir de formas completamente diferentes”. Sim, há vida depois de Paris.

A coleção de Hugo Costa inspirou-se no punk, como movimento de contracultura e reação, mas não necessariamente na sua estética. Houve combinações de cores fores e coordenados justapostos de forma irregular.

Carla Pontes, cujo desfile aconteceu ainda durante a tarde de sexta-feira, também fugiu à regra. Ao contrário do que todos esperariam, a designer não apareceu na passerelle finda a apresentação da coleção. Convenhamos, não apareceu de todo no evento. Em vez dela, um grupo de pessoas mascaradas agradeceu em simultâneo a presença dos jornalistas, dos buyers e dos amantes da moda. “As pessoas gostam sempre de ver alguém. Então, fomos em substituição da Carla. Acho que até funcionou”, diz-nos um dos membros da equipa de bastidores da designer que, já de cara descoberta, continua a não querer ser identificada.

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A coleção apresentada em passerelle, segundo nos contam, tem uma relação íntima com o som e nasce pela primeira vez nas ideias de Carla depois de uma visita a uma exposição de fotografia em Serralves. “Todas as sensações que ela conseguiu retirar daquelas fotografias foram sons. Foi isso que deu o mote para a coleção”, explica a designer e amiga de longa data de Carla Pontes que insiste em manter-se anónima. A influência do som está particularmente presente nos jacards, mas também na paleta de cores dominada essencialmente pelo vermelho vivo e por diferentes tons de cinzento. A identidade de Pontes permanece inviolável e todo o desfile conta uma história marcada pela viagem de tonalidades, das mais fortes para as menos exuberantes. Os cortes são assimétricos e as peças fluídas, construídas essencialmente a partir de lã e de algodões. O sentido prático da mulher bem resolvida de Carla Pontes teve, neste caso, direito a banda ao vivo e à performance, no final, de oito manequins.

Cortes assimétricos e peças fluídas marcaram a coleção de Carla Pontes.

A moda que nasce fio a fio

Alexandra Oliveira não revela, por nada deste mundo, a forma como desenha as peças invulgares que há muito são a sua identidade. A técnica é da autoria da criadora, responsável pela conhecida marca Pé de Chumbo. Como tantos outros designers, Alexandra começou por fazer tecidos, uma prática que eventualmente culminou na criação de uma técnica que, garante, tem muitos interessados e curiosos. “Não podemos revelar como se fazem as peças. É gente demais a pedir”, conta-nos no final do desfile, já as sucessivas congratulações deram tréguas. “Compramos o fio e depois fazemos a peça completa. As peças resultam de uma mistura de tricô com tecelagem, é uma adaptação. Não há tecido a metro. Nasce tudo fio a fio, ponto por ponto. O fio é que constrói a peça.” E mais não diz, não fosse o segredo a alma do negócio.

Ao contrário de muitos designers, o nome e rosto do por detrás das coleções Pé de Chumbo nunca se inspira num tema em si, até por causa do método de fabrico das suas peças, que surgem de sucessivas experimentações e não de esboços previamente desenhados. “É evidente que tenho um ponto de partida, que uso tendências, diz, referindo-se ao tartan (padrão axadrezado) que marca a coleção que se divide em roupas de streetwear, casuais e festivas, em que brilhos metálicos se misturam com lãs. Da coleção proposta para o próximo outono-inverno fazem ainda parte texturas volumosas e plastificadas.

A designer da marca Pé de Chumbo não se descose e não revela a forma como cria as peças. Passa, ao invés, essa responsabilidade para o fio que, ponto por ponto, cria as suas peças.

No terceiro dia de Portugal Fashion desfilaram ainda nomes como Inês Torcato e David Catalán, cuja participação na AltaRoma — evento reservado a jovens criadores de todo o mundo — foi acompanhado pelo Obsevador em janeiro último. Se Torcato apostou na desconstrução dos clássicos numa coleção marcada por pretos, brancos, cinzas, castanhos e beringelas (e por um curioso jogo de texturas), Catalán fez uma viagem pela própria infância, mais precisamente aos dez anos em que foi escuteiro, para criar a coleção “On My Honor”. Houve ainda tempo para ver desfilar Meam e também Micaela Oliveira, cujo desfile contou com a participação da atriz Rita Pereira e da performance de quatro cantoras líricas para as muitas fotografias e InstaStories dos curiosos que viram passar os vestidos de “Woodland”.

Em Roma, eles não foram romanos. Foram embaixadores da moda portuguesa

Sexta-feira também foi dia de Luís Buchinho, nome incontornável que nos trouxe a coleção “Night Drive”, nascida da atração pelo futurismo e com particular inspiração na estética de “Blade Runner”.

Miguel Viera continua de parabéns

Miguel Vieira ainda não se cansou de celebrar 30 anos de carreira — as três décadas de trabalho e prestígio assinalam-se oficialmente em 2018. Talvez em jeito de celebração, o designer levou à passerelle uma coleção inspirada num rock & roll mais puro e elegante q.b, tanto para ela como para ele. Silhuetas esguias e clássicas, peças sobrepostas, ombros volumosos e cinturas marcadas foram os protagonistas da coleção que homenageia formas masculinas e femininas e aposta na elegância dos materiais — jacquards, malhas, estampados, lantejoulas, tecidos laminados, plissados e pêlo falso, muito pêlo falso.

Miguel Vieira desfila em Milão e com muito rock à mistura

Sem qualquer sombra de dúvida, as silhuetas longilíneas dos fatos contrastaram com os cortes oversized de casacos e blusões, sendo que os acessórios voltaram a brilhar — mochilas, funny packs, bolsas e chapéus serviram de ferramentas ao styling. As tendências de Miguel Vieira para o próximo outono-inverno já antes tinham sido protagonistas em Milão, em meados de janeiro. Dias antes, o designer falava ao Observador: “A coleção foi-se aperfeiçoando na parte de alfaiataria. O tema é o rock’n’roll, por isso há peças muito clássicas mas também muita desconstrução”.

O pêlo falso foi omnipresente na coleção de Miguel Vieira.

A 42º edição do evento de moda continua durante o dia de sábado com os últimos desfiles do evento. Nomes como Nuno Baltazar, Katty Xiomara, Luís Onofre e Diogo Miranda vão marcar a despedida, até à próxima estação, do Portugal Fashion.