O chefe de Estado cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, disse esta quarta-feira que não vale a pena uma “picardia” sobre quem interpretou melhor o relatório sobre direitos humanos elaborado pelos Estados Unidos, considerando que é preciso trabalhar para melhorar.

Em causa está o relatório sobre direitos humanos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, divulgado na sexta-feira, que assinala, entre outras, como uma das principais questões de direitos humanos em 2017 no país, a violação da liberdade de imprensa por parte do Governo, aspeto que foi destacado pela comunicação social, mas é contestado pelo Executivo.

“Não vale a pena uma picardia ou esquemas de quem interpreta mais ou menos e quem interpreta melhor”, disse Jorge Carlos Fonseca.

O Presidente falava aos jornalistas na cidade da Assomada, interior da ilha de Santiago, à margem de uma atividade da II Semana da Leitura, promovida pela Presidência da República.

“Sabemos que temos uma democracia e um Estado de direito que são respeitados no mundo, são bem avaliados no global, mas não há perfeição e, portanto, não vamos ignorar os aspetos que estão referidos no sumário desse relatório e que depois são esmiuçados a partir de exemplificações que não põem em causa avaliação global”, acrescentou.

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O chefe de Estado pediu, por isso, trabalho para que os aspetos assinalados como menos positivos possam ser melhorados.

“Vamos pegar nisso e trabalhar onde pudermos para que, nos próximos relatórios, estejamos melhor do que neste momento. Sempre houve nos relatórios aspetos particulares que relativizam os bons índices que temos de liberdade de imprensa e isso não nos deve chocar”, afirmou.

O tratamento jornalístico do relatório foi contestado pelo Governo de Cabo Verde, nomeadamente pelo ministro da Cultura e Indústrias Criativas, Abraão Vicente, que tutela a comunicação social, que considera que o relatório “é taxativo” ao afirmar que durante 2017 “a imprensa independente estava ativa e expressou uma ampla variedade de opiniões sem restrições”.

O ministro pediu um direito de resposta e de retificação da notícia original, que era da agência Lusa, mas foi replicada por vários órgãos de comunicação cabo-verdianos.

A posição do Governo é de que existiu “claramente uma interpretação errada do documento”, nomeadamente por parte da agência Lusa, considerando que houve “manipulação de informação do relatório onde não consta qualquer menção à violação dos direitos da imprensa”.

Por isso, no mesmo texto, o Governo estranha “o tratamento dado à notícia pela Agência Lusa, bem como a reprodução acrítica da mesma por parte dos demais órgãos de comunicação social, que demonstram não terem consultado a fonte original da notícia, ou seja, o relatório do departamento do Estado dos EUA.”

Em declarações posteriores à televisão de Cabo Verde, reafirmou que a melhor interpretação é a do Executivo, admitiu a referência, mas considerou que o documento é ambíguo e manifestou intenção de pedir uma clarificação ao Departamento de Estado norte-americano.

A Associação de Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) posicionou-se segunda-feira sobre esta questão, considerando as declarações “irresponsáveis” e reveladoras de “desprezo” pelos jornalistas cabo-verdianos.

A AJOC sustentou também que, em declarações anteriores a posição oficial do Governo, quer o MCIC, quer o primeiro-Ministro “acusaram os jornalistas e os órgãos de comunicação social cabo-verdianos de terem publicado acriticamente o tratamento dado pela Lusa ao relatório do Departamento de Estado e de estarem a ser “capitaneados” pela agência, como se se tratasse de uma cabala orquestrada por esta contra o Governo de Cabo Verde e secundada de forma desonesta pela imprensa cabo-verdiana”.

A organização representativa dos jornalistas condenou o tratamento dado à comunicação social pelo ministro e reafirmou a sua confiança “na capacidade, na idoneidade e na seriedade da classe jornalística cabo-verdiana”.

A direção da AJOC considerou ainda “perigoso o caminho que está a ser seguido pelo executivo de, sempre que as notícias não lhe agradarem, classificar as mesmas como ‘fake news’ [notícias falsas], tentando, dessa forma, descredibilizar a imprensa cabo-verdiana”.