Uma das áreas em que a tecnologia anda à frente do tempo, de mãos dadas com o sonho, é a indústria automóvel. Muito daquilo com que um dia sonhámos, em parte alimentados pelo cinema, existe hoje na realidade. Os carros autónomos fazem parte de um caminho inevitável, mas para que possam circular livremente nas estradas terão de ser resolvidas algumas questões que continuam em aberto, começando no direito e acabando nas infraestruturas. Até lá, a tecnologia continuará a andar à frente, abrindo caminho à evolução e transformando o sonho em realidade, com o contributo cada vez mais precioso da Inteligência Artificial (IA).

A IA é a tecnologia chave para a condução autónoma, ou condução pilotada. Por essa razão, as marcas de automóveis apostam forte nas parcerias com as principais empresas da indústria electrónica, para que, em conjunto, possam desenvolver várias abordagens e métodos para a “aprendizagem” das máquinas.

Hoje, existem no mercado carros com nível 3 de automação, numa escala que vai do zero ao cinco, sendo o zero aplicado a um carro sem automação e o nível cinco a viaturas sem condutores. O A8 é um deles. Trata-se do primeiro modelo de produção preparado para nível 3, mas ainda não tem permissão para circular com este sistema. Hoje é apenas permitida a circulação de automóveis até ao nível 2 de automação. No entanto, existem zonas de testes em vários países, nomeadamente a A9 na Alemanha, onde já é possível circular com veículos autónomos.

No futuro, aquilo que temos a ganhar com a autonomia nesta área vai além de um carro cómodo, que estaciona e conduz sozinho e está ligado à internet. Já pensou como seria se, de repente, os seus dias passassem a ter “mais uma hora”? Uma ideia que explicamos mais à frente.

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Para conversar sobre a aplicação da inteligência artificial aos automóveis no presente e o futuro, sob o mote “Do sonho à realidade”, reunimos três responsáveis da marca Audi em Portugal. Convidamo-lo agora a entrar nesta viagem – que é como quem diz, artigo – e a deixar-se conduzir ao longo de 6 paragens, que é como quem diz, subtemas.

1. Inteligência Artificial: “aprender” para tomar decisões

Todos os automóveis autónomos vão ter armazenamento de informação que, gerida por um sistema, permitirá ao carro tomar decisões que vão muito além da decisão de acelerar ou travar. Tudo aponta para que a IA venha a permitir aos veículos autónomos a condução em situações de trânsito novas ou complexas. Cada vez mais, os carros terão capacidade para “aprender” a agir por conta própria no trânsito. Juntando o papel dos sensores com o reconhecimento de objetos e a inteligência artificial, o carro conseguirá interpretar cada situação e prever o comportamento dos outros utilizadores da estrada.

Por outro lado, na prática, o automóvel vai-se “habituando” a todos os requisitos e preferências do condutor, ou seja, aprende a conhecer as necessidades e opções do condutor e, com base no conhecimento adquirido, será capaz de tomar as decisões que seriam as decisões do próprio condutor. Por exemplo, seguir pela autoestrada em vez de optar por estradas secundárias. Poderemos então dizer que os carros vão ser capazes de aprender? Sim, aquilo que os carros vão fazer acaba por ser um processo de aprendizagem semelhante à aprendizagem humana. Da mesma forma que hoje a IA num simples smartphone permite que os nossos menus de pesquisa aprendam a conhecer-nos e sugiram (sem pedirmos) determinado site ou música, também aplicada a um automóvel a IA dará ao carro a capacidade de tomar decisões fundamentadas.

Nos automóveis, o “computador” vai armazenar o que aprende enquanto conduz e, posteriormente, os especialistas farão a revisão da informação. Testada e confirmada na estrada por testes adicionais, as estruturas de conhecimento geradas artificialmente podem ser transmitidas para outros computadores de bordo com IA através de uma atualização.

O novo Audi A8 – de que falamos no ponto seguinte – utiliza um sensor de visão inteligente que permite identificar um vasto tipo de potenciais ameaças na estrada, como veículos, ciclistas, peões e sinais de trânsito, bem como o limite de velocidade e as delimitações de faixa de rodagem. Inspiradas no sistema nervoso dos seres vivos, as redes neurais artificiais permitem que o sistema “aprenda” quais as características relevantes para identificar os vários objetos. Com esta tecnologia é possível, inclusivamente, reconhecer espaços de condução vazios, um requisito importante para a segurança na condução pilotada. Esta inovação é fruto de uma parceria da Audi com a empresa israelita de tecnologia Mobiley e ilustra bem a importância dos consórcios nesta matéria. A aposta em parcerias estratégicas tem-se revelado fundamental no desenvolvimento, no pioneirismo e na conquista.

2. O que fazem hoje os carros autónomos?

Existem já no mercado muitos modelos de nível 2, que permitem uma experiência ao volante que há uma década não nos passaria pela cabeça ser possível. São carros que aceleram e travam sozinhos, fazem ajustes na direção, sendo até capazes de fazer uma curva sem o condutor tocar no volante, mas apenas por breves momentos. Ao fim de uns segundos, se não deteta qualquer movimento por parte do condutor, o sistema inteligente desliga e avisa o condutor para voltar a assumir o controlo do volante. Mas nada disto é novidade. Atualmente, os modelos A4, A5, A7, A8, Q5 e Q7 da Audi incluem um sistema de segurança central denominado pre sense city, um sistema que deteta, dentro dos limites do sistema, não só os veículos em curva e os veículos estacionários, mas também os peões e bicicletas. O sistema está ativo a velocidades até 85km/h e avisa o condutor de uma colisão iminente. Se necessário, inicia uma travagem de emergência. A velocidades até 40 km/h, pode mesmo evitar o acidente.

Na linha da frente na condução autónoma, a marca dos quatro anéis apresentou o primeiro sistema do mundo que permite uma condução altamente automatizada em 2017. O Audi A8 é o 1º automóvel com capacidade para um nível 3 de condução autónoma. Consegue movimentar-se por conta própria, tanto na aceleração e na travagem, como ao nível da direção e do monitoramento ativo do ambiente. Para tal, o veículo vem equipado com radar, sensores ultrassónicos, câmara frontal e um scanner a laser para garantir a segurança no modo automático. Basicamente, o sistema guia o carro utilizando como orientação as marcações da estrada e os outros veículos. O sistema chama-se  Traffic Jam Pilot e permite que o carro assuma o total controlo da condução e o condutor se “transforme” quase num passageiro, podendo focar-se em outras atividades. Fica, no entanto, a ressalva: em caso de emergência, o controlo é devolvido ao condutor. De qualquer forma, este sistema é um passo de gigante para entrarmos na próxima década com capacidade para produzir carros com níveis elevados de automação num número cada vez maior de situações de condução.

Apesar do A8 ter condições para funcionar como um veículo autónomo, apenas pode ser usado como tal até um limite de velocidade de 60km/h e em situações de tráfego intenso. Estas são as limitações deste carro, que quer muito andar sozinho e aguarda que o deixem fazê-lo.

Enquanto isso, o A8 (e também o novo A7 Sportback) vão dando cartas com outras das suas “habilidades”.  Uma delas é a unidade de controlo central para sistemas de assistência à condução (zFAS), de série nos novos modelos A8 e no A7. O zFAS é um data center de alta tecnologia que integra computadores de alto desempenho e permite que, pela primeira vez, o carro seja capaz de captar uma imagem abrangente do ambiente a partir dos dados dos sensores, para uma ampla gama de funções de assistência.

Outra das inovações é o sistema Park and Watch. É isso mesmo, este carro é capaz de estacionar de forma independente e sem condutor em garagens ou em espaços de estacionamento paralelos ou em ângulo reto. Resta que a sua venda seja autorizada, à semelhança do que se passa com outras tecnologias.

A marca contará também com o sistema Car-to-X, que permite aos modelos estarem interligados entre si e trocarem informação virtual em tempo real, por ligação telefónica. Esta tecnologia possibilita a swarm intelligence, ou seja, a partilha e utilização de informações complexas em grande escala. “O meu carro sabe que três carros à frente começaram a travar e começará a travar suavemente, evitando travagens bruscas. Isto já existe. E o objetivo é tornar tudo muito mais seguro, mais fluido e permitir que ganhemos tempo, qualidade de vida e segurança”, explica Pedro Sevinate Sousa, Gestor de Produto da Audi.

Na realidade, hoje poderiam estar à venda no mercado carros muito mais evoluídos. A título de exemplo, a Audi já testou na Alemanha, numa autoestrada preparada para o efeito, um veículo totalmente autónomo, que assume a condução pilotada por longas distâncias até aos 130 km/h e sem o requisito do tráfego intenso. A tecnologia está preparada para muito mais. Seria até capaz de produzir imediatamente carros com nível de automação 4 ou 5. Mas a questão que se coloca é a mesma: falta legislar, adaptar infraestruturas e mudar mentalidades.

3. É tudo uma questão de preço?

Uma das coisas que os utilizadores querem saber é se terão dinheiro para comprar carros autónomos ou se estes serão apenas acessíveis a algumas bolsas. A resposta a esta questão pode ser concluída a partir de um exemplo concreto, dado por Pedro Sevinate Sousa: “O A8 tem uma diferença de quase oito anos anos em relação ao modelo anterior, mas tecnologicamente parecem anos luz. Em termos de sistemas de assistência à condução, de aparelhos de comando, de tudo aquilo que o carro consegue fazer, esta nova versão é do outro mundo. Mas oito anos depois, mesmo com a inflação e o aumento do ISV, mantém praticamente o preço. A variação do valor do modelo de 2010 e deste novo modelo é residual, cerca de 2 mil euros.” A partir daqui podemos concluir que a tecnologia estará, cada vez mais, ao alcance de todos. Ricardo Leal da Silva confirma-o: “A tecnologia começa por ser aplicada nos modelos topo de gama, mas depois é aplicada aos outros modelos. O Traffic Jam Assist nasceu no A4 e hoje está generalizado. O A8 em 2010 foi pioneiro no Cruise Control Adaptativo e hoje já existe em gamas mais baixa. A tendência é, independentemente da gama, os carros partilharem o mesmo nível de tecnologia.”

4. A visão do futuro

O sonho para o futuro da indústria é um carro de nível 5. Foi no Salão de Frankfurt, em setembro do ano passado, que a marca Alemã apresentou o Aicon, o seu protótipo de nível 5. Trata-se de um carro totalmente elétrico, com quatro motores (um para cada roda) que garantem uma autonomia estimada em 800 km com uma única carga e uma potência a rondar os 350 CV (260 kW). Com jantes de 26 polegadas e um visual agressivo, o Aicon tem ecrãs totalmente digitais que formam um padrão pixelizado triangular 3D em vez dos convencionais faróis.

Trata-se de um veículo que faz parte do segmento de carros de luxo. Sem volante ou pedais, alia o conceito de mobilidade ao luxo de uma cabine de avião, onde há espaço para todos os confortos. Tem no interior um écran que envolve o habitáculo e um assistente pessoal que irá reconhecer os ocupantes através dos smartphones, o que irá permitir ao carro saber sempre os desejos de cada pessoa em termos de conforto, da posição do banco, climatização, iluminação interior, infotainment e outras preferências, e materializa-las a bordo. O Aicon dispensa a intervenção do homem durante a viagem. Lá dentro, a única coisa que temos de fazer é sentar-nos e esquecer-nos do caminho. Esta espécie de carro-robô é, para já, apenas um protótipo. Mas será que anda assim tão longe daquilo que a marca é capaz de produzir hoje? Uma coisa é certa: de todos os construtores automóveis, a Audi foi o que, até agora, mais patentes registou para o avanço da tecnologia da condução autónoma.

5. Um caminho exclusivo ou partilhado?

Ambos. Em matéria de condução autónoma, há áreas em que a partilha traz vantagem e outras que devem ser exclusivas. É fácil de entender que é bom para todos que seja partilhada a troca de informação entre os vários veículos, a possibilidade de ligar um carro aos carros de todas as outras marcas. O mesmo se aplica às próprias ligações (o 5G). No entanto, a nível de patentes, a exclusividade continua a ser um dos segredos do negócio. Aquilo que vai “inventando” e que marca a diferença é um dos fatores que mantêm a Audi como atrativa para o segmento premium.

6. A 25ª hora

As marcas que desenvolvem os seus veículos autónomos preocupam-se com a questão do tempo. O tempo como o bem mais precioso, aquilo que não estica e que não podemos comprar. E se os condutores pudessem passar a aproveitar o tempo em que estão presos no trânsito? É essa a premissa na base do conceito da “25ª hora” criado pela Audi, tendo como objetivo permitir que ganhemos uma hora diariamente, graças a tudo o que a condução autónoma nos permite fazer, além de conduzir. “O carro passará a disponibilizar outro tipo de prazeres. Brevemente vamos conseguir que as pessoas possam ter novos tempos de prazer, como ler, ver filmes, conversar, ou simplesmente trabalhar durante as deslocações”, explica Ricardo Leal da Silva.

O futuro não está apenas escrito nas entrelinhas. Aquilo que existe hoje na realidade permite tentar adivinhar o que nos reserva a indústria automóvel para os próximos anos. O carro deixará apenas de ser um carro, mas uma espécie de segunda casa, onde poderemos fazer mais do que viajar em segurança. Onde poderemos aproveitar para viver, mais e melhor, ganhando em tempo e em conforto. Outro dos disclaimers da Audi ajuda a revelar a aposta da marca neste sentido: “Esqueça o carro. A Audi é muito mais.”. Se hoje é possível enviar mensagens e emails a partir do carro, pedir à assistente virtual que leia as mensagem e interagir nas redes sociais, no futuro, o conjunto de serviços será alargado a várias áreas, nomeadamente às compras integradas e à aquisição de serviços a bordo. Vai fazer uma viagem longa e quer adquirir um pacote especial de faróis Matrix LED? Faça-o sobre rodas, dentro do carro.

Contas feitas, fica claro que a tecnologia vai bem mais à frente do que a legislação, as infraestruturas e a mentalidade. Com um mundo de possibilidades infinito em aberto, resta saber se os Governos e a inteligência humana terão pedalada para acompanhar a inteligência artificial.

Saiba mais sobre este projecto em: observador.pt/seccao/audi-sonho-vs-realidade/