Enviado especial do Observador à Rússia (em Sochi)

Com quantas palavras se pode descrever o jogo de Cristiano Ronaldo com a Espanha? Eis um exercício que acabaria sempre por chegar ao número infinito. Um pouco mais complicado: quantas palavras começadas pela letra M? Olhamos para as capas dos jornais espanhóis e das principais publicações internacionais e, sendo algo finito, demora até chegar ao último: “Maravilhoso”, “Messias”, “Monstro”, “Marciano”. E podíamos acrescentar majestoso. Ou máquina. Ou memorável. Ou magnânimo. Ou magnífico que, pasme-se, foi a palavra escolhida pelo The Guardian para a capa do suplemento do desporto deste sábado. Qualquer uma serve para qualificar o que não pode ser qualificável, numa noite que fica na história dos Campeonatos do Mundo.

Aliás, basta atentar num texto da Marca, que coloca o avançado como “o pior inimigo da Espanha em fases finais do Mundial”. A razão é simples: em termos históricos, nunca um jogador tinha marcado três golos à Roja. Nem no mesmo jogo, nem no mesmo Mundial, nem em Campeonatos do Mundo diferentes. E apenas seis tinham marcado duas vezes ao conjunto espanhol: Chico (1950), Amarildo (1962), Artime (1966), Stojkovic (1990), Van Persie (2014) e Robben (2014). Mais um registo a somar tantos outros que o capitão nacional, como o facto de ter marcado em quatro fases finais consecutivas (até aqui só Pelé, Seeler e Klose tinham conseguido) ou ser o primeiro a fazer pelo menos um golo em dez grandes torneios internacionais seguidos.

Nos descontos, Ronaldo cedeu ao cansaço e Sergio Ramos foi ajudar o companheiro de equipa (PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images)

Com tudo isto, acabou por dar-se um fenómeno curioso na Fisht Stadium: o fabuloso jogo de Ronaldo durante 90 minutos apagou muito mais do que 90 horas em que o mais importante, quiçá mesmo a única coisa relevante, era o seu futuro. E com um dado ainda mais relevante: no mesmo dia em que terá conseguido resolver a situação com o Fisco espanhol, como refere o El Mundo (jornal que faz também um resumo da evolução de todo esse caso), e que tinha como um dos espetadores Al-Khelaifi, o dono do PSG, a noite foi tão esmagadora que a permanência ou não no Real Madrid de Julen Lopetegui (o mesmo que um dia considerou Messi o melhor da história) deixou, por momentos, de ser notícia.

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[O penálti, o “frango e o perfeito. Veja no vídeo os 3 golos de Ronaldo em 3D]

https://www.youtube.com/watch?time_continue=7&v=RjAwPpdqMaQ

Ainda assim, há pormenores que sobram da noite que não passaram ao lado. Logo após o encontro, fizemos o relato do que se tinha passado na zona mista, onde o número 7 passou bem disposto mas sem parar para falar com os jornalistas depois da maratona de intervenções que tivera antes entre flash interview e conferência de imprensa. Em campo, houve mais: por um lado, o sentido abraço a David De Gea, o principal réu para os espanhóis depois do erro cometido no segundo golo do capitão nacional; por outro, os cumprimentos e sorrisos com os companheiros de equipa, como Sergio Ramos, Nacho (que mais tarde reconheceu ter cometido grande penalidade sobre Ronaldo) ou Lucas Vázquez. Por fim, e como não poderia deixar de ser, as quezílias com os rivais do Barça, que andaram entre uma bola atirada com um pouco mais de força para um lançamento lateral de Jordi Alba ou as “bocas” que foi trocando com Piqué antes de se cumprimentarem de forma cordial após o apito final.

Ronaldo cumprimenta Nacho, a surpresa no onze de Espanha que até marcou um golo (ODD ANDERSEN/AFP/Getty Images)

Para o fim ficou aquela reação que retrata o balde de água fria sofrido pelos espanhóis à beira de um ataque de nervos depois da semana mais atípica que a seleção teve em fases finais do Mundial: a comentar o duelo ibérico com o antigo jogador e treinador Jorge Valdano, uma espécie de inspirador de dezenas e dezenas de novos técnicos, Iker Casillas, jogador do FC Porto que foi durante muitos anos companheiro de Ronaldo no Real Madrid, nem queria acreditar naquilo que tinha acabado de acontecer após o livre direto que deu o 3-3 final, coçando a cabeça e fixando o olhar incrédulo na repetição do lance.