Os grandes avançados inspiram-se noutros grandes avançados. Analisam vídeos, jogadas, movimentações. Tentam adaptar as estratégias dos ídolos ao próprio jogo e aprender com aqueles que viram jogar na televisão quando eram miúdos. Não é o caso de Romelu Lukaku. Para além de não ter televisão em casa quando era criança e não ter crescido a admirar ninguém, não precisa de ver vídeos ou gravações. Aprende diretamente com Thierry Henry, treinador adjunto de Roberto Martínez na seleção belga desde 2016.

Henry, antigo jogador do Arsenal e do Barcelona, sabe o que é ser avançado num grande clube da Premier League e ser uma peça importante de uma seleção competitiva que luta por títulos. Assumiu, com Lukaku, o objetivo de tornar o belga de 25 anos um jogador mais completo, um avançado que não só marca golos como os oferece, um peão que ocupa a área adversária e cria espaços para os colegas de equipa. Ou seja, tornar Lukaku mais Henry. Quando o ex-internacional francês chegou ao banco da Bélgica, Lukaku jogava no Everton, depois de uma passagem de má memória pelo Chelsea, em que acabou por ser emprestado em duas ocasiões. Dois anos depois, é titular indiscutível do Manchester United e um dos trunfos de José Mourinho em Old Trafford.

O trabalho que Thierry Henry desenvolveu com Lukaku começou por fazer com que o internacional belga tirasse satisfação de oferecer golos – e não só de os marcar. Lukaku cresceu com a nítida noção de que iria ser ponta-de-lança e recusou até jogar em qualquer outra posição. Nas camadas jovens da seleção belga, aos 15 anos, decidiu deixar de representar o país onde nasceu porque o treinador insistia em colocá-lo a extremo. “Não quis jogar a extremo esquerdo. Eu disse: ‘Não jogo mais’ e foquei-me no meu desenvolvimento no Anderlecht. Um ano e meio depois, estava na equipa principal”, confessou Lukaku ao próprio Henry, numa conversa promovida pela Sky Sports.

Ainda que não tenha sido ele a marcar o golo da vitória, Lukaku celebrou efusivamente o terceiro da Bélgica contra o Japão, nos oitavos de final do Mundial.

“Marcar golos é a melhor coisa de sempre. Mas aprendi a tirar alegria ao fazer assistências. Estou a dar cada vez mais golos e quero ser conhecido pelo meu jogo no geral porque é algo que as pessoas não estão à espera de que eu consiga fazer. Encontrei o prazer das assistências”, revelou Romelu Lukaku. A verdade é que esta temporada, ao serviço do Manchester United, o belga ofereceu nove golos a par dos 27 que marcou. O peso que tem na equipa de Mourinho estendeu-se desde o de um mero ponta-de-lança a um jogador que recua para ir buscar jogo, ganha espaço dentro de área e preocupa-se igualmente em marcar e dar a marcar.

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Além de ajudar o belga com as movimentações, de o obrigar a sair da zona de conforto, de o colocar a jogar mais perto das linhas e a saber mexer-se sem bola, Henry desenvolveu com Lukaku uma relação estreita e com grande apoio psicológico. O avançado do Manchester United, nascido em Antuérpia mas filho de emigrantes congoleses, sofria com o racismo de que era alvo quando assinava exibições menos conseguidas: ficava abatido, triste, entrava em campo desmoralizado e não sabia como se abstrair dos comentários menos simpáticos. Henry, nascido em França mas com pai das Antilhas e mãe de Martinica, sabe o que é que ser acusado de não ser “totalmente francês”. Ensinou o belga a responder em campo. “Eu também era alvo de situações desse tipo, por causa da minha origem, mas resolvi deixar as críticas de lado e fazer o meu trabalho. É o que tu tens de fazer”, explicou Henry, na mesma entrevista na Sky Sports.

O exemplo maior de que Romelu Lukaku é hoje um jogador diferente daquele que era há dois ou três anos aconteceu nos oitavos de final deste Mundial da Rússia, quando a Bélgica enfrentou o Japão. Depois de estar a perder por 2-0, a seleção belga conseguiu empatar e o jogo estava condenado ao prolongamento quando o relógio atingiu os 90 minutos. Aos quatro minutos de tempo extra, um contra ataque rápido conduzido por De Bruyne terminou nos pés de Chadli, que fez o terceiro golo dos belgas e carimbou a passagem aos quartos de final. Dentro da área, altamente marcado por dois defesas japoneses, Lukaku soube arrastá-los consigo, simular o remate, deixar a bola passar e garantir que Chadli estava sozinho. Sem bola, sem rematar. A forma efusiva como celebrou o golo – de joelhos no chão, punhos cerrados e olhos fechados – mostrou que o importante para Lukaku é vencer, e não apenas marcar golos.

“Eu quero ser o melhor jogador da história da Bélgica. Não necessariamente o melhor marcador”, atirou Lukaku, na entrevista da Sky Sports, para sorriso de Henry.