O retrato que António Correia de Campos pinta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) não é animador. O antigo ministro da Saúde e atual presidente do Conselho Económico e Social (CES) fala sobre os longos períodos de espera, sobre o risco de infeções hospitalares, sobre a falha na cobertura de médicos de famílias e nos cuidados continuados. Por tudo isto, Correia de Campos acredita que “em 2018 o SNS corre o risco de se transformar numa caricatura do que pretendiam os seus fundadores”, justificando-se, no seu entender, “uma atenção exigente e imediata”. A notícia é avançada pelo Diário de Notícias.

O antigo ministro dos governos de António Guterres e José Sócrates falava no encerramento da conferência “A Saúde e o Estado: O SNS aos 40 anos”, organizada pelo CES no Fórum Lisboa. A visão pessimista de Correia de Campos sobre alguns aspetos do SNS não levam, apesar de tudo, o antigo titular da pasta da Saúde a acreditar num cenário catastrófico. “O SNS está longe da decadência e muito distante de uma crise grave”, defende.

No entanto, sublinha que se tem assistido “ao empalidecer dos atributos que o caracterizam”. E dá o exemplo de um serviço que deveria ser universal, mas que está longe de o ser. “Devendo ser universal, é apenas usado de forma continuada por cerca de três quartos dos portugueses. (…) Embora deva ser tendencialmente gratuito, ele está a tornar-se tendencialmente pago pelos cidadãos no ponto de contacto, como o demonstra o lento e insidioso crescimento das contribuições das famílias para a cobertura dos encargos, para além do que já pagam em impostos”.

Quatros caminhos a seguir

Olhando para o futuro do Serviço Nacional de Saúde, Correia de Campos vislumbra quatro caminhos, sendo o antigo ministro da Saúde do PS muito crítico das três primeiras vias que aponta.

O primeiro caminho, passa pela via mercantil, ou seja, o mercado pode fundamentar um sistema onde o utente escolhe entre o SNS e sistemas privados, pagos pelo Estado em regime de convenção. Para Correia de Campos, este tipo de mercantilismo na Saúde viola a Constituição, “por desresponsabilizar o Estado e o SNS de assegurarem a promoção e defesa da saúde dos portugueses”.

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O segundo caminho, que para o presidente do CES é “radical”, passa por tentar tornar público todo o sistema, extinguindo taxas moderadoras, eliminando parcerias público-privadas e até reprimindo o crescimento do setor privado. “O radicalismo tem o custo do trauma e arrasta sempre alto preço financeiro. Não há Estado que, neste momento, pudesse acolher um aumento da despesa pública que substituísse totalmente o gasto privado. Sobretudo sem garantir eficiência na despesa, as filas de espera e as falhas de qualidade criariam mais desigualdades, o contrário do que se pretende”, defende.

A terceira via, a complacente, é nada fazer, deixar correr tudo como até aqui, “entregando o futuro do SNS à sua lenta deterioração”, ao aumento da oferta privada e da responsabilidade financeira das famílias. Este caminho, na sua opinião, seria ao mesmo tempo inoperante — “por perder a ocasião de reformar aquilo que esteja mal, com medo de conflitos menores” — e desastrosa — por conduzir o sistema para os desejos dominantes das forças de mercado, às quais não se pode pedir que promovam a equidade.

Por último, o quarto caminho é o reformista, através do qual se deve “realizar um esforço para evitar o declínio do SNS”, alimentando a gestão da combinação público-privada, através da regulação do mercado de forma “assertiva, eficiente e justa”. E é este que o presidente do CES considera ser o correto, já que passa por uma modernização “sem trauma”, “inclusiva”, que não destrói “os parceiros do SNS”.

“O mercado não é hostilizado, mas regulado”, o Estado “não é endeusado, mas utilizado nas funções estratégicas e reguladoras que lhe incumbem num Estado de direito”. E, sustenta, os profissionais de saúde também não caem no esquecimento. “Se o SNS até hoje sobreviveu e conquistou a simpatia dos que nele trabalham, se na sua própria génese os profissionais tiveram um papel de grande relevo, qualquer reforma do SNS terá que honrar os que a ele se dedicaram, facultando condições para melhor e mais qualificado exercício profissional. Sem esquecer que o SNS não existe para dar emprego, mas para servir os Portugueses”, conclui o presidente do CES.