O Partido Nacional Escocês (SNP na sigla original) acusou a primeira-ministra britânica de ter “escondido os factos” sobre o Brexit ao tentar evitar a publicação na íntegra do parecer jurídico do procurador-geral sobre o acordo proposto para a saída da União Europeia (UE).

A acusação foi feita esta quarta-feira, no debate semanal na Câmara dos Comuns, logo depois de ter sido publicado o documento em causa. Tal só aconteceu depois de o Parlamento ter votado uma moção inédita em que o Governo foi acusado de “desrespeito” perante a Câmara, algo que nunca tinha antes acontecido na História do Reino Unido.

“A primeira-ministra escondeu os factos sobre o seu acordo do Brexit destes deputados. Assumirá a responsabilidade por isso?”, questionou o deputado escocês Ian Blackford, que falou ainda num “Governo em crise”, que tem perdido muitos ministros, e numa “primeira-ministra que perdeu duas batalhas em duas horas”, referindo-se ao dia anterior.

“A primeira-ministra tem estado a enganar esta Câmara, inadvertidamente ou não”, concluiu o deputado. O comentário levou inclusivamente o presidente da Câmara, John Bercow, a pedir-lhe para clarificar se estava a acusar o Executivo de enganar deliberadamente o Parlamento, o que consistiria numa acusação grave. “Usei a palavra ‘inadvertidamente’ e repito-a. Talvez seja o caso”, respondeu Blackford.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Parecer jurídico levanta reservas sobre o backstop

O parecer jurídico do procurador-geral Geoffrey Cox, publicado na manhã desta quarta-feira, detalha a questão do backstop da Irlanda do Norte, que incomoda a maioria dos deputados que já revelaram a sua inclinação para chumbar o acordo. Em causa está a possível entrada em vigor desta “rede de segurança”, para evitar a criação de uma fronteira rígida entre as Irlandas. A solução encontrada foi a de deixar o Reino Unido numa união aduaneira com a UE, muito embora não possa determinar as condições dessa união.

No documento, o procurador-geral deixa claras as suas dúvidas sobre o mecanismo, ao explicitar que não é evidente que o Reino Unido possa sair desse backstop quando quiser, já que necessitaria do acordo tácito da UE. “Sem o direito de rescisão, há um risco legal de que o Reino Unido se possa tornar alvo de rondas de negociação adiadas e repetidas”, pode ler-se no documento, citado pelo Guardian.

O risco deve ser pesado tendo em conta o imperativo político e económico de ambas as partes de chegar a um acordo que constitua uma base politicamente estável e permanente para a sua relação futura. Esta é uma decisão política do Governo”, diz Cox.

Para além disso, o parecer também explicita a possibilidade de a Irlanda do Norte pode ficar numa situação diferenciada face ao resto do Reino Unido. “Isto permitirá aos bens da Irlanda do Norte entrarem em livre circulação na UE, permitindo a passagem deles entre a Irlanda do Norte e a Irlanda sem verificações e, portanto, sem fronteira rígida”, resume-se no texto. “As implicações de a Irlanda do Norte permanecer no mercado comum de bens da UE, enquanto o Reino Unido não permanece, significam que, para questões regulatórias, o Reino Unido é essencialmente tratado como ‘um terceiro país’ pela Irlanda do Norte.”

Esta passagem desagradará profundamente aos deputados do Partido Unionista Democrático (DUP na sigla original), aliados de May no Parlamento que ameaçam votar contra este acordo, já que impuseram como linha vermelha que a Irlanda do Norte tivesse exatamente as mesmas condições do que o resto do país.

Também por isso, os deputados escoceses do SNP aproveitaram para criticar May no Parlamento sobre o Brexit, ao contrário do líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, que preferiu centrar as suas perguntas no combate à pobreza no Reino Unido.

A primeira-ministra pode dizer-nos porque direcionou tanto dinheiro público e energia para privar este Parlamento das opções reais quando o acordo for chumbado na próxima semana?”, questionou a deputada escocesa Joanna Cherry.

Antes dela, já Ian Blackford tinha colocado o dedo na ferida ao perguntar porque continuava “a negar à Escócia aquilo que o acordo permite a outras partes da Grã-Bretanha”, referindo-se à Irlanda do Norte e à permanência no mercado comum de bens europeus.

May respondeu relembrando que “não há intenção de nenhuma das partes de usar o backstop” e criticou o governo escocês, que no passado já promoveu um referendo à independência da região, pela sua atitude. “Os interesses da Escócia de permanecer no mercado interno do Reino Unido devem ser os seus principais interesses”, rematou.

Os debates sobre a proposta do Brexit continuarão ao longo da semana. Na próxima terça-feira, o acordo será votado na Câmara dos Comuns. Se chumbar, o Governo tem 21 dias para apresentar uma nova proposta negociada com a UE e o Parlamento tem 21 dias para tentar encontrar outra solução que impeça o país de sair do espaço europeu sem acordo, a 29 de março de 2019.