A contestação social esteve na boca de todas as bancadas da oposição que esta terça-feira se dirigiram ao primeiro-ministro no debate quinzenal. Depois de greves e protestos de polícias, enfermeiros, estivadores e na área dos transportes, a tensão social foi tema incontornável e serviu até, a dada altura, para a esquerda ironizar com a direita que nunca pensou ver como “porta-voz das reivindicações dos sindicatos”.

E isto porque a tensão das ruas fez-se sentir também dentro de portas, mas desta vez mais pela voz do representantes de PSD e CDS que pediram a António Costa satisfações sobre as consequências da greve dos enfermeiros, por exemplo. Costa disse que é “inaceitável” essa greve e não esteve isolado na crítica à forma de luta que tem paralisado até blocos operatórios — Catarina Martins também o fez, embora num tom bem diferente.

Fique com o resumo do que de mais relevante se passou no debate quinzenal nesta terça-feira e que o Observador acompanhou ao minuto durante a tarde.

O PSD trouxe ao debate a greve dos enfermeiros para exigir contas a Costa JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Greves. Direita aponta luta na rua e esquerda estranha preocupação

Assunção Cristas foi a primeira a falar e logo para deixar uma pergunta direta a Costa: “Se está tudo bem por que razão tantos se queixam?”. A líder do CDS era a primeira a falar na contestação social que se tem feito ouvir nas ruas nas últimas semanas em vários setores sociais, mas logo a seguir juntou-se Fernando Negrão, com muitas perguntas a Costa concretamente sobre a greve dos enfermeiros (ver no ponto abaixo). O primeiro-ministro foi respondendo e a dada altura o debate com o líder parlamentar do PSD aqueceu porque António Costa disse que Negrão estava “entusiasmado” com essa greve e até lhe chamou “porta-voz da bastonárias dos enfermeiros”. A bancada social-democrata bateu nas mesas, bateu os pés, vociferou.

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Mas esta mesma provocação não se ficou pela bancada do Governo, com a esquerda a dizer o mesmo de PSD e CDS e a preocupação com a luta sindical dos enfermeiros. Tal como Costa, o Bloco até alinhou por uma certa condenação da forma de luta, não só dos enfermeiros como também dos guarda prisionais. Catarina Martins disse concordar com as reivindicações dos profissionais, mas deixou uma crítica implícita à forma da contestação ao dizer que as “reivindicações são justíssimas”, mas que os profissionais “saberão repensar a sua luta para não alienarem o justo apoio popular que têm tido”.

António Costa: greve dos enfermeiros dos blocos operatórios “não é aceitável”

Enfermeiros. Cirurgias adiadas são resolvidas no primeiro trimestre de 2019, prometeu Costa

Costa foi incisivo na sua análise à greve dos enfermeiros e à paralisação dos blocos de cirurgias: “Greve em cirurgias programadas não é aceitável”, considera o primeiro-ministro. Perante as insistências do PSD, que pediu números concretos do impacto da greve nos blocos, o primeiro-ministro reconheceu que há mais de cinco mil intervenções canceladas até ao momento, mas avança com a garantia de que, “no primeiro trimestre de 2019”, essas cirurgias já terão sido realizadas.

Foi já a fechar a intervenção do Bloco de Esquerda que Catarina Martins perguntou ao primeiro-ministro quando será conhecida a proposta de Lei de Bases da Saúde. Costa concretizou um data: quinta-feira, 13 de dezembro, o documento é aprovado em reunião do Conselho de Ministros. A bancada socialista aplaudiu o anúncio da data.

Catarina Martins voltou a pressionar o primeiro-ministro com excesso de zelo na redução do défice JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Défice. A obsessão que Costa nega, mas que a esquerda não larga

É um assunto recorrente, até porque é aquele que mais tem servido à esquerda para manter a sua autonomia no apoio que dá ao Governo: o país está melhor, mas o Governo podia ir mais longe se não estivesse amarrado à metas europeias do défice. A ideia é basicamente esta, sempre dita de formas diferentes, e hoje voltou à liça de forma mais audível pela voz da líder do BE, Catarina Martins, e da líder parlamentar dos Verdes, Heloísa Apolónia. Ambas acreditam que há excesso de zelo do Governo no ritmo de redução do défice, que dizem ser acelerado. Heloísa fala em “pressa”, Catarina em “corrida”.

E a propósito desta obediência, as duas atiraram ao Governo a responsabilidade por não avançar mais no apoio aos serviços públicos, os mesmos que contestam na rua. Catarina Martins disse mesmo que a questão das carreiras especiais é “a sombra nesta legislatura”. Mas de Costa, as duas só ouviram a negação: “Não temos nenhuma obsessão, mas temos uma determinação”. E mais, há um risco político que Costa não quer correr. “Não podemos ir além do limite, sob pena de que PSD e CDS se fiquem a rir de nós e a dizer que tinham razão.”

Código Laboral: Costa queria contar com o PCP, mas não terá sorte

O secretário-geral do PCP voltou a manifestar o desagrado dos comunistas relativamente à proposta de revisão do Código Laboral que o Governo apresentou na Assembleia da República. Jerónimo desafiou Costa a “retirar” o documento, mas recebeu de volta um “absoluto desacordo” do Governo face à posição do PCP. Costa tem “pena” de que à esquerda não haja apoio a uma proposta — a primeira desde 1976, defende — que protege os trabalhadores contra a precariedade e reforça a contratação coletiva.

Jerónimo de Sousa desafiou Costa a retirar a proposta do Governo para rever leis do trabalho JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Borba, China e Angola. Indemnizações, empresas e afetos

Cristas voltou ao abordar o desabamento da estrada municipal 255, em Borba, para perguntar ao primeiro-ministro se o Governo vai avançar com indemnizações às famílias das cinco vítimas mortais. Costa repetiu, quase à palavra, aquilo que já tinha dito: se houver responsabilidade do Estado, haverá indemnizações. Mas, primeiro, é preciso que se comprove essa responsabilidade.

No regresso aos debates parlamentares, depois de dois anos como secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello lançou o tema das visitas dos Presidentes de Angola e da China a Portugal.

Costa disse que a visita de João Lourenço permitiu “sanar conflitos do passado com a República de Angola” e retomar uma “relação afetuosa” com o país. Sobre a China, o primeiro-ministro diz que “Portugal tem mundo além da União Europeia” e que a passagem de Xi Jiping pelo país representa  os “passos muito importantes” que Portugal deu em relação ao “investimento” chinês e uma oportunidade para abrir o ”mercado chinês a produtos portugueses”.