Bárbara Vara deu o pontapé de saída das audiências da fase de instrução da Operação Marquês, mas o seu depoimento não teve grande novidade face ao que já tinha dito ao procurador Rosário Teixeira quando foi constituída arguida. Numa frase: confiava no seu pai e nada sabia sobre a origem dos cerca de 2 milhões de euros que Armando Vara angariou numa conta bancária na Suíça aberta em nome de uma sociedade offshore formalmente controlada por Bárbara Vara.

Contudo, o depoimento de Bárbara Vara, que decorreu entre as 14h e as 16h05m, deixou algumas pistas sobre as relações sociais do pai com os restantes arguidos, nomeadamente com Carlos Santos Silva.

Bárbara Vara, filha do ex-ministro Armando Vara, acompanhada pelos seus advogados Rui Patrício (à direita) e João Lima Cluny (à esquerda), à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa. DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Bárbara vara é acusada de dois crimes de branqueamento de capitais por ser titular da sociedade offshore Vama Holdings, que recebeu na sua conta 1 milhão de euros — metade das alegadas ‘luvas’ que um grupo de investidores terá pago em 2007 ao então primeiro-ministro José Sócrates e a Armando  Vara, então administrador da Caixa Geral de Depósitos, como contrapartida pelo financiamento de 284 milhões de euros para comprar o resort Vale do Lobo, no Algarve.  A filh de Armando Vara confirmou ao juiz Ivo Rosa que a conta bancária da Vama Holdings foi por si aberta em Lisboa em 2005 ao pé da casa do pai, e por instruções deste, com um funcionário da Union des Banques Suisses (UBS) chamado Michel Canals. Mas que tal aconteceu por instruções de Armando Vara e porque a própria Bárbara ia começar a trabalhar na Irlanda — daí a necessidade de abrir uma conta no estrangeiro.

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Canals é o principal suspeito do processo Monte Branco — uma investigação concentrada numa rede de branqueamento de capitais que tinha o seu epicentro em Michel Canals, na sua empresa gestora de fortunas, fundada após a sua saída da UBS, e em Francisco Canas, um cambista com escritório na baixa de Lisboa já falecido. Nos autos da Operação Marquês, Armando Vara está referenciado como tendo sido um dos clientes de Canas, tendo-lhe alegadamente entregado várias centenas de milhares de euros em dinheiro vivo para ser transferido para a Suíça.

Armando Vara: Como o caso Monte Branco ajudou a Operação Marquês

O juiz Ivo Rosa, que conduziu a maior parte do interrogatório como é normal na fase de instrução, quis saber por que razão nunca questionou Armando Vara sobre a origem dos cerca de dois milhões de euros que o ex-administrador da CGD foi juntando na Suíça. Bárbara Vara deu a resposta de sempre: porque confiava no seu pai e pensava que os rendimentos provinham da sua atividade profissional. Questionada sobre se sabia qual era o salário anual do seu pai na CGD, Bárbara respondeu que calculava que o valor atingisse cerca de 600 mil euros.

Apesar de várias insistências, Bárbara Vara manteve que nunca movimentou as contas da Vama Holdings, assim como de outras sociedades offshore (como a Walker Holdings e a Orsati Corporations) que foram utilizadas por Armando Vara para alegadamente branquear o milhão de euros que terá recebido, segundo o Ministério Público, do grupo de investidores de Vale do Lobo, nem sabia sequer dos saldos de tais contas bancárias na UBS.

Aliás, explicou a filha de Armando Vara, só quando foi notificada pelo UBS de que as contas tinham sido congeladas por ordem judicial da Confederação Helvética, na sequência de um pedido de cooperação judiciária internacional do Ministério Público português, é que se deslocou à Suíça com o advogado João Cluny e tomou conhecimento dos valores que estavam ali depositados.

As relações sociais de Armando Vara e o holandês misterioso

Ivo Rosa quis também saber se Bárbara Vara conhecia José Sócrates, Carlos Santos Silva (o alegado testa-de-ferrro do ex-primeiro-ministro) e Rui Horta e Costa, um dos investidores de Vale do Lobo que negociou o empréstimo da CGD com Armando Vara.

Bárbara confirmou que conhecia Sócrates desde sempre, por este ser um dos melhores amigos do pai, e que foi apresentada a Carlos Santos Silva num almoço social na casa dos avós em Vinhais, a aldeia transmontana natal de Armando Vara.

Esta curiosidade do juiz explica-se pelo facto de a Vama Holdins ter recebido as alegadas ‘luvas’ de um milhão de euros com origem numa conta bancária suíça de Joaquim Barroca, então vice-presidente do Grupo Lena. Contudo, Barroca confirmou ao procurador Rosário Teixeira quando foi detido que tinha assinado ordens de transferência em branco para Carlos Santos Silva movimentar livremente as suas contas bancárias. Foi com uma dessas ordens de transferência que Santos Silva terá transferido um milhão de euros para a conta da Vama Holdins, como pode verificar aqui.

Operação Marquês. Vara, Santos Silva e o misterioso holandês

Ivo Rosa questionou igualmente Bárbara Vara sobre se conhecia Jerome Van Dooren, o que foi negado pela arguida. A colaboradora do grupo do empresário Jorge Mendes diz que apenas ouviu falar de Van Dooren nas notícias.

As alegadas ‘luvas’ de dois milhões de euros que, segundo o Ministério Público, terão sido divididas entre José Sócrates e Armando Vara tiveram origem em contas daquele milionário holandês — que pensava que estava a pagar uma parte do lote de terreno que queria adquirir em Vale do Lobo. O milionário holandês declarou nos autos que transferiu o referido montante entre janeiro e abril de 2008 para uma conta na UBS que lhe foi indicada por Diogo Gaspar Ferreira, então administrador do resort algarvio, mas que estava em nome de Joaquim Barroca, então vice-presidente do Grupo Lena. Esses dois milhões foram divididos, através de transferências executadas por Santos Silva, de duas formas:

  • 1 milhão foi transferido para uma conta na UBS da Giffard Finance, de Carlos Santos Silva;
  • 1 milhão foi transferido para a conta da Vama Holdings, a sociedade offshore que tinha Bárbara Vara como beneficiária

A casa da Avenida do Brasil e o empréstimo na delegação da CGD em Vinhais

O segundo crime de branqueamento de capitais que é imputado a Bárbara Vara está relacionado com operações imobiliárias que envolvem imóveis em Lisboa, entre os quais uma casa de Bárbara Vara na Avenida do Brasil. O imóvel começou por ser permutado por um apartamento na Av. Infante Santo da construtora Portbuilding, sendo mais tarde adquirido por uma empresa de Armando Vara (a Citywide) à Portbuilding com fundos que tiveram origem na Vama Holdings e noutras sociedades offshore controladas pelo ex-administrador da CGD. Na ótica do Ministério Público, trata-se de uma típica operação de branqueamento de capitais que visa ocultar a origem dos fundos.

Sobre estes factos, Bárbara Vara assegurou que sempre pensou que a sua casa na Avenida do Brasil seria vendida a João Carlos Silva, o ex-deputado do PS e ex-presidente da RTP que era gerente da Citywide por escolha de Armando Vara, tendo inclusive acrescentado que até hoje ainda não sabe como se processam os pormenores de operações imobiliárias que incluem permutas e compras e vendas. Mais uma vez, Bárbara Vara garante que se limitou a confiar no seu pai — que tratou de tudo para ajudá-la.

Para executar a permuta com a Portbuilding foi necessário solicitar um empréstimo à CGD para pagar o valor remanescente em falta. O juiz Ivo Rosa quis saber se tinha sido o seu pai, ex-administrador da Caixa, a tratar dessa parte também. Apesar de admitir que o progenitor a ajudou a compreender melhor os pormenores do empréstimo, Bárbara Vara afirmou que o empréstimo foi tratado com um funcionário da agência da CGD de Vinhais, a terra natal da família Vara.

Interrogatório de Armando Vara adiado para 5 de fevereiro

O interrogatório de Armando Vara como testemunha de Bárbara Vara, sua filha, e ambos arguidos na Operação Marquês, foi adiado de terça-feira para o dia 5 de fevereiro, por decisão do juiz de instrução, Ivo Rosa. Segundo fonte ligada ao processo, na origem do adiamento está a greve dos guardas prisionais, cujos serviços mínimos não contemplam o transporte de presos para diligências não urgentes.

Armando Vara está detido no Estabelecimento Prisional de Évora, a cumprir cinco anos de cadeia no âmbito do processo Face Oculta. Bárbara Vara começou a ser ouvida pelas 14h30 na fase de instrução do processo Operação Marquês, que se iniciou esta segunda-feira no Tribunal Central de Instrução Criminal.

A audição do pai poderá ser determinante para a futura situação processual Bárbara Vara, pois os advogados Rui Patrício e João Cluny asseguram que Armando Vara terá afirmado no dia 6 de setembro de 2017 nos autos da Operação Marquês que “a minha filha Bárbara é absolutamente alheia e desconhecedora da proveniência dos referidos capitais e a qualquer decisão sobre a sua utilização.”

O inquérito Operação Marquês, que teve início há mais de cinco anos — culminou na acusação a 28 arguidos, 19 pessoas e nove empresas — e investigou a alegada prática de quase duas centenas de crimes de natureza económico-financeira.

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José Sócrates foi acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

Entre outras imputações, o Ministério Público está convencido que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos e na PT, bem como para garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento de luxo Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.

Entre os 28 arguidos estão Carlos Santos Silva, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Armando Vara, Bárbara Vara, Joaquim Barroca, Helder Bataglia, Rui Mão de Ferro e Gonçalo Ferreira, empresas do grupo Lena (Lena SGPS, LEC SGPS e LEC SA) e a sociedade Vale do Lobo Resort Turísticos de Luxo.

Texto atualizado às 17h25m