Lobby da energia é “poderoso “e tudo faria para proteger os seus interesses, afirmou o ex-ministro da Economia de Passos Coelho. Mas apesar de assinalar várias vezes a força desse lobby que combateu enquanto esteve no Governo, Álvaro Santos Pereira desmentiu a ideia de que a elétrica tenha estado por trás da demissão do seu primeiro secretário de Estado da Energia. “É um mito urbano”, afirmou o ex-ministro. Depois de abandonar do Executivo, Santos Pereira afirmou publicamente que a saída de Henrique Gomes terá sido celebrada na sede da EDP com a abertura de garrafas de champanhe.

Henrique Gomes demitiu-se do Governo de Passos Coelho em março de 2012, depois de ter sido impedido de aplicar uma contribuição sobre as empresas de energia e de falar publicamente sobre o tema das rendas excessivas da eletricidade. O ex-ministro da Economia justificou esta saída com divergências na tática de ataque às rendas excessivas. Santos Pereira defendia que se devia agir primeiro nos bastidores e falar depois. O seu secretário de Estado queria falar primeiro em público. O antigo ministro assumiu anda que usou a troika para enfrentar os interesses do setor.

Álvaro Santos Pereira confirmou também que foi Vítor Gaspar, então ministro das Finanças, quem travou a criação de uma contribuição extraordinária sobre o setor elétrico logo em 2011.

O antigo ministro, que está a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas na energia, contou que propôs às Finanças a criação de uma contribuição sobre as elétricas que iria reduzir as receitas da EDP. O então responsável pela energia explica que a contribuição era necessária. Fazia parte de um pacote de medidas que tentavam contrariar aumentos muito significativos do preço da eletricidade que, em 2012, poderiam chegar aos 30%.

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“Tínhamos uma autentica bomba relógio que iria rebentar com a economia. Não fazer nada estava fora de questão”.

E a contribuição era a melhor solução. “Era constitucional, como disse recentemente o Tribunal Constitucional num processo da REN, seria bem recebida no Parlamento e no país e “seria da maior justiça social. Fazia todo sentido”. Foi com estes argumentos que Santos Pereira e a sua equipa iniciaram negociações com o Ministério das Finanças para introduzir uma contribuição sobre os produtores de eletricidade, e que atingiria em particular a EDP.

Infelizmente, o ministro das Finanças não concordou pois não queria que nada pusesse em causa a privatização da EDP”.

Em causa estava uma receita anual entre 220 e 0s 300 milhões de euros. As contas então feitas apontavam para um efeito negativo de 700 milhões de euros nos cash-flows da empresa e para um impacto negativo na receita do Estado com a venda de 21,3% da empresa de 140 milhões de euros. Mas o Ministério das Finanças achava que era mais e o ministro foi contra porque não quis correr o risco. A oposição foi assumida numa reunião entre os dois ministérios por Vítor Gaspar.

A haver cortes, não poderiam afetar a privatização, teria de haver outra estratégia porque as Finanças tinham esta prioridade. Santos Pereira aponta contudo para o contexto que o país vivia no final de 2011. “Todos queríamos que o processo corresse bem, numa altura de grande fragilidade para o país que enfrentava quase diariamente questões de eminente bancarrota e de comparação com a Grécia. Tínhamos de descolar deste cenário. É importante perceber porque era tão importante que a privatização corresse bem”.

Contribuição sobre EDP seria das poucas oportunidades para aliviar custos. Gaspar não aceitou “argumento político”

Santos Pereira saiu do Governo liderado por Passos Coelho em 2013, tal como o colega das Finanças, e atualmente é diretor da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

O antigo ministro da Economia confirmou igualmente que Henrique Gomes se quis demitir logo em 2011, mas que tentou convencê-lo que apesar de terem perdido a batalha, não tinham perdido a guerra. Para o ex-ministro da Economia, era possível fazer os cortes mais tarde e de outra maneira. O antigo secretário de Estado estava irredutível, mas acabou por ficar mais uns meses. O ex-ministro confirma também que a saída de Henrique Gomes em março de 2012 resultou da exposição pública que o secretário de Estado adotou falando das rendas excessivas. Para o ex-ministro, seria possível fazer a mesma coisa, mas nos bastidores.”

“A minha única divergência com o Henrique era tática, sobre se devíamos falar primeiro ou falar depois de cortar“, explicou. Santos Pereira afirmou ainda que no seu Governo, e já com Artur Trindade na secretaria de Estado da Energia, foram impostos cortes de mais de dois mil milhões de euros, a maioria dos quais, sustenta, afetaram a EDP. Já em 2013 foram necessários mais cortes, de 1.500 milhões de euros, e aí avançou a contribuição extraordinária sobre o setor da energia que ainda está em vigor.

Santos Pereira sublinhou que o Governo do qual fez parte foi o primeiro a cortar as rendas excessivas que existiam, e que na altura foram quantificadas em 4.000 milhões de euros até 2020. Assumiu ainda que discorda da tese do seu primeiro-secretário de Estado, Henrique Gomesm que desvalorizou os cortes aplicados ao setor elétrico após a sua demissão, considerando que foram engenharia financeira.

Acordo secreto? Santos Pereira nega: “Eu não tenho fãs na EDP”

Álvaro Santos Pereira recusou ainda a tese de que o seu Governo tenha feito um acordo secreto com a EDP que se traduziu em cortes inferiores aos que seriam necessários.

Governo de Passos negociou contrapartidas com a EDP antes de cortar nas rendas

“Era só o que faltava que nos acusassem de estar em conluio com a EDP”. E lembra que foi muitas vezes atacado para refutar a teoria de conspiração sobre a existência de um acordo secreto. “Tem que haver um limite para o decoro”, afirmou.

As propostas da EDP eram “ótimas engenharias financeiras (porque diferiam os custos por vários anos) mas a nível de cortes eram quase zero.”. Santos Pereira garante que no seu tempo nunca recebeu drafts de legislação da empresa. “Isso seria gravíssimo” e “sou alérgico, super-alérgico a esse tipo de práticas.

E questionado sobre o suposto acordo secreto entre a administração da elétrica e o Governo de Passos Coelho, fechado pouco tempo depois de Henrique Gomes ter abandonado o cargo, o ex-governante nega com veemência: “Eu não tenho fãs na EDP”

Na sua intervenção inicial, Álvaro Santos Pereira considerou que é “claro que houve rendas excessivas no setor elétrico, que rondaram quase 4.000 milhões entre 2007 e 2020. Quem diz o contrário não presta atenções à sua conta de eletricidade”. É claro que os produtores  foram beneficiados por estas rendas durante anos e que essas rendas “estavam associadas a práticas de compadrio no Estado e ligações perigosas entre o Estado e os interesses privados.”

“Quem questiona que o país tenha sido vítima de corrupção, está a questionar o inquestionável”

O atual diretor da OCDE, que foi notícia recentemente por causa de um relatório incómodo para o Governo português onde foi tratado o tema da corrupção em Portugal, pelo menos na versão preliminar que foi divulgada pelo Observador, deixou ainda esta garantia:

“Nunca me vai encontrar na administração de uma empresa como a EDP. Vai contra os meus princípios”.

“Usamos muitas vezes a troika” para lutar contra o lobby da energia

Santos Pereira começou a sua audição com uma intervenção em que sinalizou a existência de lobbies poderosos na eletricidade. “A luta contra os lobbies é motivo de orgulho e motivaram muitos dos ataques de que fui alvo (…) E se existiu setor que foi protegido foi o da energia”. O antigo ministro disse com a sua chegada ao cargo esses interesses “sabiam que o tempo das renda excessivas tinha acabado”, tal como o tempo das leis feitas pelos privados que beneficiaram dessas leis e dos interesses corporativos. Apesar de reconhecer que esses lobbies “fariam tudo o que fosse preciso para tentar preservar as rendas, Santos Pereira afastou a ideia de que o seu primeiro secretário de Estado tivesse sido afastado por esse lobby.

“Dizer que o Henrique foi demitido por lobby da EDP é um mito urbano”.

E questionado sobre se saiu do Governo por força de algum lobby, foi categórico na resposta: “Não”. Santos Pereira sublinhou que saiu do Governo por uma crise política e até admitiu que os lobbies tenham aberto garrafas de champanhe, uma alusão a uma frase que disse

A estratégia de Santos Pereira foi pedir apoio à troika para implementar várias medidas que se traduziram no corte das rendas do setor elétrico. E avisou as empresas do setor que se não aceitassem as propostas do Governo os credores internacionais iam exigir mais. “O memorando e a troika eram um instrumento fundamental para lutar contra os interesses instalados. Usamos muitas vezes a troika, assumiu o ex-ministro, o que passou, por exemplo, por pedir que as revisões do memorando incluíssem alertas sobre o tema.

Entre as medidas aprovadas pelo ex-ministro da Economia estão a suspensão do pagamento da garantia de potência, a redução da remuneração às centrais de cogeração, a diminuição dos juros a pagar na componente fixa dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) à EDP e a utilização das receitas com os leilões de CO2.