O pianista português José Carlos Sequeira Costa morreu nos Estados Unidos, onde residia, aos 89 anos, confirmou hoje à Lusa fonte próxima da família.

Distinguido em 2004 com a Grã-Cruz da Ordem Infante D. Henrique pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, Sequeira Costa foi um dos nomes mais significativos do piano português no século XX, tendo fundado o Concurso Internacional Vianna da Motta, de quem foi aluno.

Em 1951, Sequeira Costa venceu o Grande Prémio de Paris no Concurso Internacional Marguerite Long, tendo desde então sido um dos nomes de maior projeção nos palcos internacionais. A convite de Dimitri Chostakovitch fez parte do primeiro júri do Concurso Internacional Tchaikovsky, em Moscovo, no ano de 1958. A partir daí integrou sempre o júri dos mais prestigiados concursos internacionais de piano e orientou numerosas masterclasses de piano um pouco por todo o mundo. Muitos alunos seus distinguiram-se de forma notável em competições pianísticas e em áreas de ensino.

Desde 1976 que era professor de piano na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos.

Em 2004, disse à jornalista Ana Sousa Dias, em entrevista na RTP, que, por ter “abraçado inteiramente o espírito de Beethoven” ao dedicar-se à interpretação da integral das sonatas do compositor alemão, se sentia “para além da vida humana já”.

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Sequeira Costa classificava Bach como o “sol de todos os compositores” e destacava Liszt como estando entre os seus criadores preferidos, por ter sido seu “avô espiritual”, ao ter ensinado Vianna da Motta.

Como intérprete, actuou com múltiplas orquestras de prestígio, e lançou discos tocando obras de muitos compositores, entre os quais as integrais de piano e orquestra de Schumann, Chopin e Rachmaninov.

“A chamada inspiração não existe. A inspiração é o resultado de um trabalho afincado, premeditado. Talento há, felizmente que é raro. Porque hoje em dia há milhares de pianistas, então os asiáticos estudam 25 horas por dia e não serve para nada, porque não têm o talento necessário como têm os europeus, mas isso é normalíssimo porque a nossa cultura de Beethoven, Bach, Chopin, era no centro da Europa”, disse à RTP, na altura.

O anúncio da morte do pianista foi feito na página do Facebook de Artur Pizarro, que foi aluno do pianista e pedagogo.

José Carlos Sequeira Costa(1929-2019) R.I.P.

Posted by Artur Pizarro on Thursday, February 21, 2019

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, publicou uma nota no site da presidência em que envia as condolências à família do pianista. O Chefe de Estado destaca o “talento invulgar para a música”, passando em revista os momentos mais marcantes do pianista.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, Sequeira Costa “será lembrado certamente como um dos maiores pianistas clássicos de Portugal e pela forma como inspirou gerações de tantos jovens músicos, alunos, ouvintes, espectadores, apaixonados pela música clássica e rendidos ao seu raríssimo talento”.

Também a Ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou a morte do pianista, de quem diz que “o seu nome é não apenas um dos mais significativos do piano português no século XX, mas, enquanto intérprete e professor, uma referência internacional e parte de uma brilhante linhagem de pianistas, tendo dado continuidade à escola de Vianna da Motta, de quem foi discípulo”.

A Ministra da Cultura anuncia ainda na nota de pesar que em memória de Sequeira Costa, “o Teatro Nacional de São Carlos dedica-lhe hoje o concerto da Orquestra Sinfónica, com a interpretação de uma obra de Vianna da Motta, sob direção do maestro Pedro Neves“.

Victorino de Almeida: “Era um pianista sem décadas e sem séculos”

Contactado pelo Observador, o maestro António Victorino de Almeida considera que Sequeira Costa “faz parte dos melhores pianistas do século XX e XXI a nível mundial”, destacando ainda o facto de ter “tocado até muito tarde”.

Para Victorino de Almeida, “a música de Sequeira Costa não tem décadas nem séculos. Ele é uma figura histórica”, o que o levou a passar vários anos fora de Portugal, “porque nunca poderia estar no mesmo país graças à dimensão que atingiu. Sequeira Costa passou muito tempo fora, não pelas dificuldades do país, mas pela dimensão artística, que determinou que estivesse muito tempo em viagem, na sequência dos convites que recebeu de grandes universidades e escolas de música mundiais. É um pianista de grande carreira lá fora, mas também em Portugal”, conclui o maestro.

Filipe Melo: “Um pianista extraordinário que elevou a fasquia (…)”

O pianista e compositor Filipe Melo acredita que, em Portugal, “estamos muitíssimo bem servidos de pianistas de todos os géneros, mas que, na música clássica, o Sequeira Costa era um pioneiro de todos os pianistas do classicismo”, recordando as conquistas internacionais que o consagraram como “um pianista extraordinário que elevou a fasquia e que esteve em contacto direto com os grandes nomes da música clássica”.

Sequeira Costa era “um pianista incrível em qualquer parte do mundo e que temos a sorte de ser um português. Acredito que há uns anos atrás Portugal não seria o melhor sitio para ter uma carreira internacional”, acreditando que, apesar dos vários anos passados no estrangeiro, “os estudantes de musica clássica vão encontrar o nome dele como uma referência extraordinária”.

Júlio Resende: “(…) ele inspirou-me enquanto português que tocava muito bem”

Ao Observador, o pianista Júlio Resende, recorda o primeiro contacto com Sequeira Costa a nível académico, mas sobretudo, “por causa de Rachmaninoff, através de um filme que era o Shine – que conta a história de um pianista com problemas mentais que se tornou maníaco com o concerto nº3 de Rachmaninoff –, e que me levou a conhecer mais executantes desse concerto e a conhecer o trabalho de Sequeira Costa”.

Era muito difícil encontrar um bom pianista de Rachmaninoff e ele inspirou-me enquanto português que tocava muito bem”, conta Júlio Resende, lamentando nunca “o ter conhecido pessoalmente”, mas salientando o “legado que deixa na música e a dedicação ao piano”.

Filipe Raposo: “Ele é um dos expoentes da música europeia clássica”

Para o pianista e compositor Filipe Raposo, Sequeira Costa fazia “parte de uma linhagem de pianistas europeus que se recuássemos várias gerações chegaríamos a Beethoven. Ele é um dos expoentes da música europeia clássica”.

Devido à carreira internacional que protagonizou, Sequeira Costa passou vários anos no estrangeiro, o que não fez esquecer o reconhecimento dentro de portas. “Quando estudava no Conservatório e até na Escola Superior de Música assisti a vários concertos dele na Gulbenkian. Era uma personagem reconhecida, sem dúvida alguma”, conta Filipe Raposo, acrescentando ainda que “enquanto representante em vários júris nos principais festivais europeus de piano foi um embaixador muito importante do país”.

O Observador falou ainda com um dos alunos de Sequeira Costa, Robert Andrés, que concluiu a formação na Universidade do Kansas em 1993. Andrés deixou fortes elogios a Sequeira Costa, que convidou para um dos últimos concertos na Madeira, depois de 20 anos ausente do arquipélago.

[noticia corrigida dia 23 de fevereiro às 12h40, devido a incorreção na causa da morte do pianista]